TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
365 acórdão n.º 102/21 • A reapreciação da decisão proferida por um tribunal superior tem a virtualidade de, potencialmente, ofere- cer uma garantia de melhor qualidade da decisão obtida nesta nova sede; • A possibilidade do arguido apresentar, perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável possibilita que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa. 10. A consagração expressa (no referido artigo 32.º, n.º 1, da CRP) do direito ao recurso como garantia de defesa representa, portanto, o reconhecimento explícito da autonomia conferida a essa garantia no contexto geral das garantias de defesa. 11. A relevância conferida ao direito de interposição de recurso é tão significativa que ele constitui um verda- deiro limite à liberdade conformadora do legislador no que concerne à delimitação das decisões de que cabe recurso e à definição do regime de recursos em processo penal. 12. Por conseguinte, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na previsão, pelo legislador, de um grau de recurso, pois tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe também que, na sua regulação, o legislador não adote soluções arbitrária e desproporcionadamente limitativas da possibi- lidade de recorrer. 13. Desta forma, muito embora se aceite que o legislador fixe um limite acima do qual não é admissível um terceiro grau de jurisdição, certo é que tal limitação não poderá atingir o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido, devendo a limitação dos graus de recurso ter um fundamento razoável, não arbitrário e não desproporcionado. 14. A garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota, portanto, na existência de duplo grau de jurisdição. 15. Por conseguinte, para se aferir se a garantia de duplo grau de jurisdição concretiza o efetivo direito de recurso, é indispensável que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto se apresente como tutela sufi- ciente das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. 16. Dito por outras palavras: a irrecorribilidade de algumas decisões só será admissível se o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido não seja atingido e desde que tal limitação se justifique por outros valores rele- vantes no processo penal. 17. A este propósito importa referir, desde logo, que a reversão, em sede de recurso, de uma absolvição em condenação convoca um elevado nível de exigências garantísticas da posição processual do arguido. 18. Ora, no caso vertente, como se disse, o recorrente foi absolvido, em primeira instância, da prática do crime de violência doméstica e, posteriormente, condenado pelo Tribunal da Relação, que lhe aplicou a pena parcelar de dois anos e três meses de prisão e, em cúmulo jurídico, a pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, na estrita condição de pagar, à assistente, a quantia de € 12 000. 19. Questiona-se, então se, perante a surpreendente decisão condenatória em segunda instância, (em conse- quência de recurso de outro sujeito processual) face à decisão de absolvição da primeira instância, deve ser negado, ao recorrente, o direito de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 20. Poderia argumentar-se que, nesse caso, o direito de recurso do recorrente fora assegurado pela existência de um segundo grau de jurisdição, na medida em que o seu direito de defesa consubstanciou-se na possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da decisão absolutória de primeira instância. 21. Simplesmente, tal assim não sucede, na medida em que o segundo grau de jurisdição não assegurou, de forma alguma, o respeito devido pelo direito de recurso decorrente do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da Repú- blica Portuguesa, porquanto: -A- 22. Nos casos em que existe uma absolvição da primeira instância revogada por decisão condenatória em pena de prisão (efetiva ou suspensa) da segunda instância, não é assegurada no julgamento do recurso uma reapreciação das consequências jurídicas do crime. 23. Trata-se de uma decisão inovadora com consequências fundamentais na posição jurídica do arguido relati- vamente à qual é-lhe negado o acesso a uma reapreciação por um tribunal superior da pena que então lhe é aplicada.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=