TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL normativa de irrecorribilidade, está o legislador vinculado a assegurar que o arguido tenha efetiva possibili- dade de se defender, disciplinando o sistema de julgamento do recurso perante os Tribunais da Relação e do STJ em função das exigências do direito a um duplo grau de jurisdição e do processo equitativo. Ainda que autónomo, o direito fundamental ao recurso não comporta em si mesmo todo o valor garan- tístico que o direito de defesa do arguido reclama, nem constitui condição suficiente para um exercício efe- tivo das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Por isso se estatui no texto constitucional que o direito ao recurso se inclui no direito fundamental de defesa, do qual constitui, por certo, uma das vertentes principais, mas não a única. 4. Por outro lado, a ponderação que suporta a aceitação da estabilização do juízo de culpabilidade por via do exercício do duplo grau de jurisdição, mesmo com reversão de decisão absolutória – o que representa uma evolução relativamente ao entendimento expresso no Acórdão n.º 31/20 (cfr. ponto 13) –, vale por igualdade de razão perante a única vertente relativamente à qual se entende constitucionalmente imposto o acesso a um terceiro grau de jurisdição: a questão da determinação da pena ou medida de segurança, qual- quer que seja a sua espécie e medida concreta. Desde logo, não é exato que toda a decisão criminal que declare a culpabilidade do arguido comporte necessariamente a declaração de uma sanção penal. Pode suceder que o juízo condenatório seja acompa- nhado da verificação dos pressupostos da dispensa de pena (artigo 74.º do Código Penal), pronunciamento que o legislador processual penal qualifica, mormente para efeitos de recorribilidade, como decisão condena- tória (artigo 375.º, n.º 3, do CPP). Nesses casos, como reconhece o Acórdão, a solução normativa que veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não é merecedora de censura constitucional, à luz do direito funda- mental ao recurso, porquanto, relativamente aos factos e crimes imputados de que foi absolvido, o arguido «pôde aduzir argumentos nas suas contra-alegações de recurso» (cfr. ponto 14) e desse modo influenciar autonomamente o sentido do julgamento do recurso, mesmo que, naturalmente, desconheça o exato teor do ato judicativo futuro. Ora, o mesmo pode ser dito quanto à determinação da pena. Também nessa vertente, a cognição do tri- bunal de recurso encontra-se balizada pelo pedido formulado no recurso, no quadro da delimitação temática do objeto do processo operada pela acusação (e pronúncia, quando proferida), estando o tribunal do julga- mento em 1.ª instância, mesmo em caso de absolvição, vinculado a inscrever na decisão os pressupostos de facto relevantes para uma (eventual e futura) determinação da espécie e medida da pena (cfr., sobre a questão, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, n.º 4/2016, proferido pelo STJ em 21 de janeiro de 2016, publicado no Diário da República , 1.ª série, n.º 36). O sistema normativo vigente permite ao arguido confrontar todos os argumentos e questões especificadas nos fundamentos do recurso (artigos 412.º e 413.º do CPP); designadamente, em caso de impugnação da decisão proferida em matéria de facto, pode fazer valer a sua posição sobre os pontos de facto indicados como incorretamente julgados e as provas que se considera imporem decisão diversa [alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP], bem como sobre as provas cuja renovação o recorrente pretende [alínea c) do mesmo número e preceito], em condições de igualdade de armas com os demais sujeitos processuais. Por assim ser, a determinação concreta da pena não pode ser tida como questão nova, não antecipável pelo arguido absolvido, na posição de recorrido, uma vez que o objeto do recurso se encontra perfeitamente delimitado, balizando o conteúdo da pronúncia a proferir. 5. Assegurado que o arguido encontra na regulação do recurso para um segundo grau de jurisdição salvaguarda do essencial das suas garantias de defesa, mostra-se justificado e razoável que o legislador, pros- seguindo o objetivo de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, de modo a assegurar que a decisão penal definitiva seja proferida em tempo côngruo, condição de realização efetiva do direito de acesso à justiça, com assento no artigo 20.º da Constituição – como sublinhado na declaração de voto subscrita pelo Conselheiro Pedro Machete , aposta no Acórdão n.º 31/20, que acompanho por inteiro –, reserve a
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