TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
340 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tal tese não nos parece prosperar. Como se demonstrou, o direito ao recurso em processo penal não é uma garantia exclusiva do direito à liberdade, isto é, não se vislumbra, à luz dos comandos constitucionais, um direito ao recurso de tipo garantidor da liberdade e um outro direito ao recurso, mais restrito, que per- mita reagir a condenações que afetem somente direitos individuais distintos, como é o caso das condenações em pena suspensa ou pecuniária. Ao contrário, a Constituição prevê o direito ao recurso como garantia de defesa no processo criminal, sem qualquer diferenciação – porque o que se pretende é, antes de mais, a pos- sibilidade de reação contra a condenação penal. Com efeito, este direito fundamental funciona como eixo central da dinâmica de proteção dos cidadãos, no nosso Estado de direito democrático, funcionando como um limite absoluto ao poder punitivo do Estado. Neste sentido, recordamos, novamente, as conclusões acolhidas pelo Acórdão n.º 31/20, que mutatis mutandis devem ser transpostas para responder à dimensão atacada neste recurso. Do mesmo modo que se configurou a inconstitucionalidade quanto à irrecorribili- dade da condenação inovatória, naquele caso em pena de multa, torna-se indeclinável reconhecer também a inconstitucionalidade da irrecorribilidade da condenação inovatória em pena não privativa da liberdade, seguindo a delimitação do objeto agora em causa. O juízo de inconstitucionalidade acerca da impossibilidade de recurso na circunstância de condenações inovatórias não depende, pois, como destacado supra , da natureza da pena aplicada ex novo ; o que, sim, releva é o direito de o arguido reagir, por seu próprio impulso, contra a mesma, pela primeira vez. É que o juízo condenatório comporta, inelutavelmente, uma afirmação pública de antijuridicidade e de censura pessoal, com ressonância negativa na consideração social do visado e a constrição da esfera jurídica do arguido e dos seus direitos fundamentais. Ora, se quanto à primeira questão – designadamente, acerca da alegada prática de atos que configuram crime de furto qualificado, que é confirmada pelo TRP – o arguido pôde aduzir argumentos nas suas contra-alegações de recurso, o mesmo não pode ser dito sobre a escolha da pena e da sua concreta medida – cuja dimensão restritiva de direitos fundamentais é inequívoca. Com base no direito fundamental plasmado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, é, assim, incontornável admi- tir que se impõe, também para a dimensão normativa agora questionada, uma exigência de possibilidade real de objeção à condenação, mediante uma manifestação processual nova, através da qual o interessado possa rebater, de forma direta, a afetação negativa do seu status jusfundamental. Deste modo, reafirma-se que não é constitucionalmente admissível a restrição, na esfera dos direitos, liberdades e garantias – em que se insere a articulação do direito ao recurso com a mobilização de outros meios de defesa, para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva –, operada, conforme consta dos autos, pela total supressão do direito ao recurso, no que respeita à escolha e determinação da medida da pena, que o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), conjugado com o artigo 432.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, promove. A impossibilidade de sindicar uma decisão condenatória ex novo em pena não privativa da liberdade ( in concreto , uma pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com condição do pagamento de indemnização civil), após absolvição em 1.ª instância, não se compagina com a proteção das garantias de defesa em processo penal, em particular com o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b) , ambos do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, inovatoriamente face
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