TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

34 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL clínicos, no âmbito do procedimento, a definição dos pressupostos para o exercício da antecipação da morte medicamente assistida, sendo depois tal verificado e confirmado pela Comissão de Verificação e Avaliação» (requerimento, ponto 11.º – cfr. os artigos 4.º, 5.º e 7.º do Decreto) e que o legislador, «ao utilizar con- ceitos altamente indeterminados, ademais em matéria de direitos, liberdades e garantias, remetendo a sua definição, quase total, para os pareceres dos médicos orientador e especialista, […] parece violar a proibição de delegação constante do artigo 112.º da Constituição» (requerimento, ponto 12.º). E, mais adiante, o requerente salienta que, «padecendo [o Decreto] das insuficiências assinaladas, a sua inconstitucionalidade não pode ser sanada com a expetativa de um regime futuro, cujo conteúdo se desconhece, ainda que dele o legislador faça depender a entrada em vigor do regime» em causa (requerimento, ponto 13.º). Em suma, «ao não fornecer aos médicos quaisquer critérios firmes para a interpretação [dos] conceitos, deixando-os, no essencial, excessivamente indeterminados, o legislador criou uma situação de insegurança jurídica [que] afeta todos os envolvidos: peticionários, profissionais de saúde, e cidadãos em geral, que assim se veem privados de um regime claro e seguro, num tema tão complexo e controverso» (requerimento, ponto 14.º). Por seu lado, a segunda questão de constitucionalidade colocada respeita especificamente ao subcritério da lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico, e baseia-se em idêntica ordem de razões (requerimento, ponto 7.º): no caso, «a total ausência de densificação do que seja lesão definitiva de gravidade extrema nem de consenso científico», para mais conjugado com «o caráter muito indefinido do conceito de sofrimento intolerável» (requerimento, ponto 8.º). Com efeito, resulta de tal indeterminação a «ausência de um quadro legislativo minimamente seguro que possa guiar» a atuação do médico interveniente no procedimento ( ibidem ). A insegurança é ainda agravada pela natureza do referente – uma lesão definitiva de gravidade extrema –, uma vez que, «nada se referindo quanto à sua natureza fatal» não se vê como possa estar aqui em causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer em consequência da referida lesão», solução considerada «pouco consentânea […] com os objetivos assumidos pelo legislador, na medida em que permite uma interpretação, segundo a qual a mera lesão definitiva de gravidade extrema poderia conduzir à possibilidade de morte medicamente assistida» ( ibidem ). 11. Sendo as questões de constitucionalidade reportadas à insuficiente densidade normativa – que fun- ciona, assim, como a causa determinante das invocadas inconstitucionalidades, ou seja, a concreta causa de inconstitucionalidade correspondente à causa de pedir – dos conceitos indeterminados ínsitos no enunciado dos dois critérios (e subcritério) identificados pelo requerente, não surpreende, pelo menos numa primeira aproximação, a pretensão daquele que o juízo deste Tribunal se cinja aos segmentos normativos do n.º 1 do artigo 2.º por si identificados na parte inicial do requerimento. De resto, mesmo a referência ao problema da «amplitude da liberdade de limitação do direito à vida, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme decorre da conjugação do artigo 18.º, n.º 2, respetivamente, com os artigos 1.º e 24.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa» feita na conclusão do pedido, sinaliza uma especial exigência em matéria de densificação dos pressupostos de que depende a despenalização da anteci- pação da morte medicamente assistida. Não obstante, para aferir a exata delimitação da norma ou normas objeto do pedido e, bem assim, dos poderes de cognição deste Tribunal, impõe-se considerar o teor e a estrutura do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, onde, conforme refere expressamente o requerente, se aloja a ou as normas por si sindicadas. Este preceito versa, como referido, sobre a antecipação da morte medicamente assistida não punível: o n.º 1 refere-se, prima facie , à noção de antecipação da morte não punível, salientando que a mesma, só ocorre por decisão da própria pessoa, podendo ser praticada diretamente ou ajudada a praticar por profissionais de saúde, mas, em qualquer caso, desde que se encontrem verificadas determinadas condições; o n.º 2 delimita o universo das pessoas legitimadas a pedir a antecipação da própria morte a um profissional de saúde, escla- recendo o n.º 3 que a decisão relativa a tal antecipação, para ser relevante, deve concretizar-se num pedido, a tramitar nos termos do procedimento clínico e legal disciplinado no Decreto; e, enfim, o n.º 4 estabelece

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