TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
339 acórdão n.º 100/21 dessa situação que permite distingui-la de todas as outras, conduzindo a uma circunscrição clara – e muito restrita – do alcance desta dimensão nuclear do direito fundamental em causa, deixando todas as outras, nos termos acima explicados, no espaço da concordância prática. Ora, se quanto ao teor da condenação pode entender-se já ter tido o arguido possibilidade de se pronunciar, nas contra-alegações do recurso que origina a decisão do Tribunal da Relação, o mesmo não sucede quanto à determinação da pena e da sua medida concreta, que sempre constituirão elemento novo, relativamente ao qual impõe a Constituição que lhe seja dada oportunidade de defesa. 13. Esta conceção é, aliás, coerente com aquela que tem sido a posição do Tribunal Constitucional em matéria de direito ao recurso e/ou ao duplo grau de jurisdição em matéria de direitos fundamentais, plas- mada nos Acórdãos n. os 40/08, 44/08 e 197/09. No primeiro dos Acórdãos citados, o Tribunal afirma que “é sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer atos lesivos dos direitos dos cidadãos ( maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses atos provenientes de parti- culares ou de órgãos do Estado, forçoso é que se garanta o direito à impugnação judicial de aos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atuações materiais) que constituam a causa primeira e directa da afectação de tais direitos. Considera-se, pois, que quando uma atuação de um tribunal, por si mesma, afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação. Mas quando a afectação do direito fundamental do cidadão teve origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já foi objeto de controlo jurisdicio- nal, não é sempre constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão”. Este mesmo critério decisório – nos termos do qual deverá haver recurso quando uma atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão – foi reafirmado nos Acórdãos n. os 44/08 e 197/09. Ora, a posição que agora se assume é corolário desta, tendo especial força no plano lógico-argumen- tativo por se encontrar dentro da esfera do processo penal, no âmbito do qual são mais relevantes os argu- mentos no sentido da existência de um direito ao recurso, autónomo em relação ao duplo grau de jurisdição. Sendo a condenação penal, como se explicou, fortemente lesiva de um conjunto de direitos fundamentais (e mesmo que no conjunto destes se não conte o direito à liberdade), não se vê como possa ser conforme ao ordenamento jurídico-constitucional a subsistência de uma tal decisão, sem possibilidade de reapreciação jurisdicional, pelo menos na parte relativa à determinação da pena e sua medida concreta, em relação à qual, pela própria natureza do processo, o arguido obviamente nada pôde argumentar junto do tribunal. 14. Outros argumentos, de ordem tanto prática como dogmática, são também aventados na defesa da não inconstitucionalidade da solução normativa questionada no presente processo. Assim, no específico caso dos autos, poder-se-ia dizer que a restrição da possibilidade de recurso não seria suscetível de afetar o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido, já que, enquanto pena de substituição (da prisão), a suspensão de execução da prisão constitui verdadeira pena autónoma – e não uma condenação condicional em prisão –, cuja teleologia político-criminal radica na assunção de um projeto de ressocialização em liberdade, que só será revertido se, na fase de execução da pena suspensa, o cumprimento da prisão se revelar indispensável à necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expec- tativas comunitárias (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequi- tas, 1993, pp. 333 e segs.). A privação da liberdade do condenado, a vir a ter lugar, depende da verificação de pressupostos materiais específicos, nomeadamente, o incumprimento culposo das condições da suspensão, cujo reconhecimento exige um novo ato judicativo, relativamente ao qual é admissível o recurso (artigos 399.º e 495.º do CPP). Além disso, as limitações às hipóteses de recurso seriam igualmente justificadas com base numa ideia de racionalização, não arbitrária, do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, pelo que não seriam aceitáveis quando se trate de uma condenação em pena grave, em particular, a prisão efetiva, mas já se poderia admitir no caso de penas não privativas de liberdade.
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