TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
338 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da possibilidade de concretização da tutela jurisdicional efetiva, afigura-se, pois, incompatível, na senda do acórdão trazido à colação, com os parâmetros perfilhados pela Constituição da República Portuguesa. 12. Não se ignora, naturalmente, a existência de argumentos relevantes no sentido de sustentar a posi- ção contrária, em linha com a jurisprudência tradicional deste Tribunal Constitucional. O primeiro desses argumentos faz equivaler a solução adotada no Acórdão n.º 31/20 – e que, como já se anunciou, aqui se seguirá – a uma absolutização do direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição: tal direito ficaria, desta forma, imune a restrições legais e, consequentemente, excluído da possibilidade de ponderação com outros bens ou direitos constitucionais. Esta crítica tem um elemento de verdade, mas atribui à posição jurisprudencial que aqui faz vencimento um alcance que ela não tem. Assim, a conceção acerca dos direitos fundamentais que subjaz a esta orientação tem em consideração que, ainda que a título excecional, há “situações em que a própria Constituição garante uma faculdade, uma garantia, uma pretensão ou uma faceta particular do direito, mas já a título definitivo, absoluto, ou seja, o legislador constituinte fez logo ali, ele mesmo, todas as ponderações que havia a fazer e decidiu-se inten- cionalmente pela garantia, a título definitivo, do interesse jusfundamental em questão” (cfr. J. Reis Novais, Direitos Fundamentais: Trunfos contra a maioria, Coimbra Editora, 2006, pp. 51). Não se pretende, com isto, erigir o direito ao recurso (ou, porventura, outro direito fundamental), em quaisquer casos, num valor absoluto, imune a conformação por parte do legislador democrático ou, até, a restrições. Contudo, admite-se que, em circunstâncias bem delimitadas, as normas de direitos fundamentais possam ter a natureza de regras. Nestes termos, o direito constitucional ao recurso, em processo penal, comporta uma irredutível dimen- são de proteção do cidadão, em face do exercício do poder punitivo estadual, que fica, efetivamente, fora da esfera de exercício, por parte do legislador democrático, do poder de concordância prática entre distintos bens axiologicamente relevantes do ponto de vista constitucional. No entanto, essa dimensão é muitíssimo reduzida: limita-se ao direito a recorrer de decisão condenatória inédita, que implica a determinação da pena e da sua medida concreta. Não estão, pois, aqui abrangidas todas as decisões em matéria penal; nem mesmo todas as decisões tomadas em sede de recurso em processo penal que sejam desfavoráveis ao arguido, como o aumento da pena originalmente fixada pelo tribunal de 1.ª instância, a alteração em sentido mais gravoso dos termos da sua execução, ou a substituição de pena não privativa da liberdade por pena de prisão. Em todas essas circunstâncias, que se situam além do núcleo irredutível do direito ao recurso, haverá amplo espaço para ponderações e para a mobilização do princípio da proporcionalidade como parâmetro de legitimidade constitucional. Por outro lado, tampouco se impede a modelação, por via legislativa, do direito ao recurso em processo penal, nos casos em que a Constituição impõe a sua existência. Ou seja, nada obsta a que o legislador desenhe mecanismos processuais específicos – e distintos – para diferentes situações, tendo em conta a necessidade de compaginação com outros bens constitucionalmente protegidos, como a segurança jurídica, a celeridade processual, a proteção das vítimas ou a organização do sistema judiciário. A razão para esta conceção é simples: na valoração axiológica subjacente à configuração do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP que aqui se adota, assume fundamental importância a diferença existente entre o status jurídico de inocente (que persiste até ao momento da condenação, em concretização do princípio da presunção de inocência) e culpado. A transposição dessa fronteira, por ação de um órgão de soberania – no caso, um Tribunal da Relação – comporta uma alteração de significativa relevância para a pessoa do condenado, quer num plano interno (da relação de cada cidadão consigo mesmo, do desenvolvimento da sua identidade e personalidade, direitos fundamentais pessoais, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, da CRP), como num plano externo (o da relação com os seus concidadãos e com o Estado, no qual releva o direito ao bom nome e reputação, também protegido pelo n.º 1 do artigo 26.º da CRP). Assim, é o grau de afetação de diversos direitos fundamentais por efeito da condenação penal em si mesma que justifica a afirmação da existência de um direito ao próprio recurso em caso de condenação, entendido como regra e decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição; mas é, igualmente, a gravidade
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