TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
336 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL privativa da liberdade, cuja decisão em primeira instância tenha sido absolutória. Vejamos, por isso, os seus fundamentos básicos e a lógica inerente à sua fundamentação. 9. Após revisitar o longo percurso jurisprudencial nesta matéria – para o qual desde logo se remete ( v. g. , Acórdãos n. os 429/16, 595/18, 672/17 e 128/18) –, apontando pontos em comum e pontos de afastamento entre as posições sufragadas por este Tribunal Constitucional e a sua incidência ao caso concreto, o Acórdão n.º 31/20 asseverou que o elemento fundamental respeitante à solução jusfundamental de relevo não se encontra na natureza da pena, mas sim na possibilidade de que o arguido dispõe para reagir contra a conde- nação – e as inerentes determinação da espécie e da medida da pena aplicada, que se entendeu deverem ser suscetíveis de sindicância, à luz do direito constitucional ao recurso, entendido como um direito subjetivo do arguido ao seu próprio recurso (ponto 11). Isto porque a condenação penal em si mesma, independen- temente de ser (ou não) em pena de prisão, acarreta um peso e um potencial de afetação dos direitos funda- mentais do condenado muito significativos. Neste sentido, lê-se no aresto em referência (ponto 10): “De facto, a maioria das condenações em multa previstas na legislação penal assume a configuração de pena alternativa, o que não implica que a condenação – ainda que na pena menos gravosa possível-, não tenha, para o arguido, um peso e um potencial de afetação dos seus direitos fundamentais que mereçam uma tutela das garantias de defesa em sede de processo criminal, jusconstitucionalmente consagradas, mais intensa do que a desenhada pelo legislador. Em causa estará, em qualquer circunstância, uma ingerência por parte do Estado no âmbito jurídico- -constitucionalmente tutelado de direitos fundamentais – senão o direito à liberdade, o direito à propriedade (no caso da pena de multa, que aqui analisamos, alternativa ou não) e, inelutavelmente, mesmo nos casos de dispensa de pena, os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e ao bom nome e reputação, pre- vistos no n.º 1 do artigo 26.º da CRP – operada através da condenação penal em si mesma, cuja gravidade não pode ignorar-se. O juízo de ponderação a levar a cabo no caso concreto deve, pois, estabelecer se a limitação dos direitos de defesa do arguido, previstos no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e em particular do seu direito ao recurso – autonomizado da garantia de duplo grau de jurisdição – se considera justificada, nos casos de condenação em pena de multa, após decisão absolutória na 1.ª instância, pela necessidade de limitar e racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, em nome da celeridade e segurança jurídicas, que constituem valores constitucionalmente tutelados; ou se, ainda que não possam deixar de sopesar-se tais valores, as consequências de uma condenação, e inerente deter- minação da pena e da respetiva medida concreta, na esfera jusfundamental do arguido, se afiguram de tal modo profundas que não pode deixar de reconhecer-se, nesta sede, a imperatividade do exercício do direito ao próprio recurso – um recurso em relação à decisão condenatória e seus elementos específicos, modelado pelo arguido, nos termos que tenha por adequados”. Nesta sequência, o Acórdão citado, sem deixar de lado as preocupações, de assento constitucional, com o prazo razoável dos processos e o tempo útil das decisões, e sem descurar, também, a legítima margem de atuação do legislador para encontrar fórmulas não excessivas que restrinjam as hipóteses de recurso e que evitem a sua manipulação, asseverou, em prol da tutela jurisdicional efetiva, na vertente do acesso às vias de recurso, o seguinte (ponto 12): “(...) a constrição penal sobre direitos, liberdades e garantias só é válida quando aos indivíduos é permitido reagir perante um tribunal, quer contra uma acusação em curso, quer contra uma posterior decisão que afete a sua esfera jurídica. Neste sentido, e significativamente, nada na Constituição estabelece uma indexação interna, no direito ao recurso, nos termos da qual o valor deste direito tenha mais peso quando o conteúdo de uma pena seja quantitativa ou qualitativamente mais ou menos grave, segundo critérios atinentes à intensidade da interferência da condenação na esfera de direitos fundamentais de que cada pessoa é sujeito. Pelo contrário: o nível de proteção dos direitos fundamentais não comporta uma geometria variável que, em certos casos, faria a sua potência atingir
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