TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XI. A Comissão dos Direitos Humanos já se pronunciou quanto à questão aqui em crise afirmando que a con- denação de uma pessoa por um tribunal de segunda instância na sequência de uma absolvição em primeira instância, não pode, em caso algum, menosprezar o direito do arguido à revisão da sentença condenatória por um tribunal superior, uma vez que o artigo 14.º, n.º 5 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polí- ticos consagra não só o direito ao duplo grau de jurisdição, mas também o direito ao recurso e, nessa medida, impõe que sempre que o arguido seja condenado em sede de recurso possa, ainda assim, exercer o seu direito ao recurso de decisão condenatória, sob pena de violação do referido preceito. XII. Por seu turno, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que as restrições ao direito de recurso decorrentes das legislações nacionais dos Estados signatários devem perseguir um objeti- vo legítimo e não consubstanciarem atentados substanciais ao conteúdo do direito ao recurso, especialmente quando está em causa uma condenação proferida na sequência de uma absolvição na primeira instância, cfr. Ac. do TEDH de 13 de fevereiro de 2001, caso Krombach v. França. XIII.Ora, Tribunal Constitucional tem, reiteradamente, manifestado o propósito de circunscrever o direito ao recurso à garantia do duplo grau de jurisdição, pelo que, mesmo quanto às decisões condenatórias e a decisões penais que afetem a liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido, não existe um direito ao esgota- mento de todas as instâncias de recurso previstas na lei ou a um terceiro grau de jurisdição que garanta a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ. XIV. Em conformidade com esta linha jurisprudencial o Tribunal Constitucional afirmou, no Acórdão n.º 189/01, que “(...) mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de defesa, tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido. Ora, (...) o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior”. XV. Desta opção jurisprudencial resulta ser constitucionalmente aceitável para o Tribunal Constitucional o esta- belecimento da irrecorribilidade nos casos de dupla conforme condenatória, em que a Relação confirma a condenação da primeira instância, seja numa pena de multa, seja até certos limites de pena de prisão – cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 189/01, n.º 1149/03, n.º 102/04, n.º 640/05 e n.º 64/06. XVI. Assim, na mesma ordem de ideias, parece resultar como constitucionalmente conforme a admissibilidade de recurso quando seja proferido um acórdão condenatório pela Relação, na sequência de recurso contra uma sentença absolutória; XVII. A limitação imposta pelos arts. 400.º, n.º 1, al. e) do CPP e 432.º, n.º 1, al. b) atinge de forma gravosa o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido, uma vez que o mesmo se vê impedido de recorrer das decisões judiciais: da decisão de primeira instância – absolutória – não pode interpor recurso por não ter um interesse legítimo e da decisão preferida pelo Tribunal da Relação – que revoga a decisão de primeira instância e o condena – também não pode interpor recurso devido a uma limitação legal, apesar dessa decisão lhe ser desfavorável e poder implicar, inclusivamente, o cumprimento de uma pena de prisão efetiva! XVIII. Parece-nos que não pode haver confusão entre o direito ao recurso com o duplo grau de jurisdição, isto porque enquanto o direito ao recurso tem como escopo a substituição da decisão desfavorável ao arguido por uma que lhe seja favorável, já a dupla jurisdição basta-se com a verificação de pressupostos puramente objetivos. XIX. A norma que resulta das disposições conjugadas dos artigos 400.º n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal deverá ser considerada inconstitucional quando interpretada no sentido de não ser admitido recurso das decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena de prisão não priva- tiva da liberdade ou pena de prisão não superior a cinco anos quando tenha sido proferida decisão absolutória em primeira instância. XX. E, não sendo conforme com a Constituição, deverá a norma que resulta das disposições conjugadas dos artigos 400.º n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b) desaplicada e, nessa medida, permitir que o recorrente,
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