TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
33 acórdão n.º 123/21 medicamente assistida não punível como a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento intolerável; ii) na parte em que integra no conceito de antecipação da morte medica- mente assistida não punível o critério lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico. Por outro lado, o requerente afirma expressamente pretender excluir do objeto do pedido de fiscalização preventiva «a questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito , é ou não conforme com a Constituição», esclarecendo que o objeto do requerimento é , «antes a questão de saber se a concreta regulação da morte medica- mente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma com a Constituição, numa matéria que se situa no core dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por envolver o direito à vida e a liberdade da sua limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana.» (cfr. ponto 3.º do requerimento – itálicos acrescentados). A delimitação negativa é efetuada por referência a um conceito – eutanásia – que não consta dos enun- ciados linguísticos das disposições do Decreto n.º 109/XIV. É certo que o requerente o faz por referência à exposição de motivos de um dos projetos de lei que esteve na origem do processo legislativo que culminou com a aprovação do citado Decreto – o Projeto de Lei n.º 104/XIV/1.ª, apresentado pelo Partido Socialista («Procede à 50.ª alteração do Código Penal, regulando as condições especiais para a prática de eutanásia não punível) –, retirando da mesma exposição de motivos a leitura de que «a Constituição não determina orientação definitiva» e o sentido de «que, nos termos da Lei Fundamental, cabe ao legislador permitir ou proibir a eutanásia, de acordo com o consenso social, em cada momento». E é perante tal conclusão que o requerente afirma (aí pretendendo delimitar a questão pela negativa) não ser objeto do seu requerimento a este Tribunal, «em todo o caso, a questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a Constituição» (expressão que, aliás, apenas constava igualmente do Projeto de Lei n.º 67/XIX/1.ª, apresen- tado pelo PAN, que, propunha regular o acesso à morte medicamente assistida, «na vertente de eutanásia e suicídio medicamente assistido» – cfr. os respetivos artigos 1.º e 12.º). O enunciado do objeto pela positiva respeita à «concreta regulação da morte medicamente assistida ope- rada pelo legislador» no Decreto em análise (cfr. requerimento, ponto 3.º) e tem pressuposta a identificação, na letra do n.º 1 do artigo 2.º, de três autónomos critérios (e, no que releva para a apreciação do pedido, dois subcritérios do segundo critério) quanto à não punibilidade da intervenção de terceiros na antecipação da morte de uma pessoa a seu pedido: i) que esta se encontre numa situação de sofrimento intolerável; ii) com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico (primeiro subcritério) ou doença incurável e fatal (segundo subcritério); iii) praticada ou ajudada por profissionais de saúde (cfr. requerimento, pontos 5.º e 6.º a 8.º). As dificuldades de natureza jurídico-constitucional que o requerente enuncia baseiam-se, como mencionado, no tipo de matéria a que tal regulação respeita, circunstância que, segundo ele, teria sido reconhecida pelo legislador na já citada exposição de motivos: «“para que a interven- ção, a pedido, de profissionais de saúde seja despenalizada sem risco de inconstitucionalidade por violação da dignidade da pessoa humana, a lei tem de ser rigorosa, ainda que recorrendo inevitavelmente a conceitos indeterminados, desde que determináveis”» (requerimento, ponto 3.º). Assim, as questões colocadas pelo requerente respeitam ao primeiro critério (requerimento, ponto 6.º), ao segundo critério, em particular, ao primeiro subcritério (requerimento, pontos 7.º e 8.º). A primeira questão, reportada ao primeiro critério, reside em o mesmo – situação de sofrimento into- lerável – «não se encontra[r] minimamente definido», nem parecendo que «resulte inequívoco das leges artis médicas»; ao remeter para o conceito de sofrimento «parece inculcar uma forte dimensão de subjetividade»; e, dado que tais conceitos devem ser preenchidos no essencial pelos médicos orientador e especialista, «resulta pouco claro como deve tal sofrimento ser mensurado: se da perspetiva exclusiva do doente, se da avaliação que dela faz o médico». Conclui o requerente que «um conceito com este grau de indeterminação não parece conformar-se com as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição, na matéria sub judice » (requerimento, ponto 6.º). Aduz ainda o requerente que a concretização dos conceitos – critérios – «fica largamente dependente da decisão do médico orientador e do médico especialista» (requerimento, ponto 10.º). E conclui caber «aos
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