TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
329 acórdão n.º 100/21 garantias de defesa em processo penal constitucionalmente consagradas, sendo de reconhecer que ao recorrente/arguido, que foi condenado, pela primeira vez pelo Tribunal da Relação, e não pôde ver reexaminada tal condenação, inédita, na parte em que impõe uma pena concretamente determinada, foi suprimido o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, com sacrifício dos direitos, liberdades e garantias de que é titular, em especial o catálogo de meios de defesa, afiguran- do-se essa restrição total, com prejuízo da possibilidade de concretização da tutela jurisdicional efetiva, incompatível com os parâmetros perfilhados pela Constituição da República Portuguesa. VII – A conceção acerca dos direitos fundamentais que subjaz à solução adotada no Acórdão n.º 31/20 – e que aqui se seguirá – , embora não pretenda erigir o direito ao recurso (ou, porventura, outro direito fundamental), em quaisquer casos, num valor absoluto, imune a conformação por parte do legislador democrático ou, até, a restrições, admite que, em circunstâncias bem delimitadas, as normas de direi- tos fundamentais possam ter a natureza de regras; é o grau de afetação de diversos direitos fundamen- tais por efeito da condenação penal em si mesma que justifica a afirmação da existência de um direito ao próprio recurso em caso de condenação, entendido como regra e decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição; mas é, igualmente, a gravidade dessa situação que permite distingui-la de todas as outras, conduzindo a uma circunscrição clara – e muito restrita – do alcance desta dimen- são nuclear do direito fundamental em causa, deixando todas as outras no espaço da concordância prática; se quanto ao teor da condenação pode entender-se já ter tido o arguido possibilidade de se pronunciar, nas contra-alegações do recurso que origina a decisão do Tribunal da Relação, o mesmo não sucede quanto à determinação da pena e da sua medida concreta, que sempre constituirão ele- mento novo, relativamente ao qual impõe a Constituição que lhe seja dada oportunidade de defesa. VIII– Esta conceção é coerente com aquela que tem sido a posição do Tribunal Constitucional em matéria de direito ao recurso e/ou ao duplo grau de jurisdição em matéria de direitos fundamentais; sendo a condenação penal fortemente lesiva de um conjunto de direitos fundamentais (e mesmo que no con- junto destes se não conte o direito à liberdade), não se vê como possa ser conforme ao ordenamento jurídico-constitucional a subsistência de uma tal decisão, sem possibilidade de reapreciação jurisdicio- nal, pelo menos na parte relativa à determinação da pena e sua medida concreta, em relação à qual, pela própria natureza do processo, o arguido obviamente nada pôde argumentar junto do tribunal. IX – O direito ao recurso em processo penal não é uma garantia exclusiva do direito à liberdade, isto é, não se vislumbra, à luz dos comandos constitucionais, um direito ao recurso de tipo garantidor da liberda- de e um outro direito ao recurso, mais restrito, que permita reagir a condenações que afetem somente direitos individuais distintos, como é o caso das condenações em pena suspensa ou pecuniária; ao contrário, a Constituição prevê o direito ao recurso como garantia de defesa no processo criminal, sem qualquer diferenciação – porque o que se pretende é, antes de mais, a possibilidade de reação contra a condenação penal. X – O juízo de inconstitucionalidade acerca da impossibilidade de recurso na circunstância de condena- ções inovatórias não depende da natureza da pena aplicada ex novo , o que, sim, releva é o direito de o arguido reagir, por seu próprio impulso, contra a mesma, pela primeira vez; é que o juízo conde- natório comporta, inelutavelmente, uma afirmação pública de antijuridicidade e de censura pessoal, com ressonância negativa na consideração social do visado e a constrição da esfera jurídica do arguido e dos seus direitos fundamentais; se quanto à alegada prática de atos que configuram crime de furto qualificado, que é confirmada pelo Tribunal da Relação o arguido pôde aduzir argumentos nas suas
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