TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
320 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL crescente a conceção que entende que o negócio da prostituição não pode ser legitimado, por violar os princípios ínsitos na Carta dos Direitos Fundamentais, entre os quais se encontra o princípio da igualdade» (Ibidem, p. 9). No quadro social e jurídico descrito, dada a complexidade da definição dos instrumentos legais adequados à proteção das pessoas prostituídas e ao combate ao tráfico, não pode deixar de se entender que está dentro da margem de liberdade do legislador democrático consagrar o modelo de criminalização do lenocínio, nos moldes em que o faz o artigo 169.º, n.º 1, do CP, que não padece assim de qualquer vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP. […]” (itálicos acrescentados). Sendo certo que os fundamentos transcritos assentam em determinadas pressuposições, não é menos certo que, como se faz notar no Acórdão n.º 90/18: “[…] [N]ão se pressupõe que as situações de prostituição estejam necessariamente associadas a carências sociais ele- vadas e que qualquer comportamento de fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição comport[e] uma exploração da necessidade económica ou social do agente que se prostitui, mas antes que tais situações comportam um risco elevado e não aceitável de exploração de uma situação de carência e desproteção social, colocando em perigo a autonomia e liberdade do agente que se prostitui. […] Por outro lado, […] a jurisprudência constitucional acima referida […] apreciou o critério da necessidade de tutela penal, enquanto decorrência do princípio da proporcionalidade, na dimensão acolhida no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. No entanto, e conforme se salienta no Acórdão n.º 694/17, em que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre esta matéria, tal apreciação não se « deve confundir, porém, com o controlo da bondade das opções que o legislador democrático, no âmbito da sua margem de conformação, tome na concretização do respetivo programa político criminal, mormente quanto à inadequação ou insuficiência para a tutela do bem jurídico em proteção de meios não penais de controlo social a constituir – a decisão recorrida, pressupondo a manutenção da proibição do lenocínio, aponta a ‘via contraordenacional mínima em sede de regulação administrativa da atividade’ –, questão que não incumbe a este Tri- bunal apreciar». […]” (itálicos acrescentados). De onde resulta, em suma, uma liberdade, com amplitude muito considerável, do legislador – desde sempre sublinhada, neste exato contexto, pelo Tribunal (de novo remetemos para o item 8 do Acórdão n.º 144/04) – em punir ou não punir os comportamentos, neste âmbito, com o que nisso vai implicado em termos de não proibição constitucional da solução adotada. Por outras palavras, “[d]ecidir se o risco impli- cado para a autonomia do agente que se prostitui deve ser considerado como um perigo a prevenir pela via da incriminação da exploração profissional ou com fins lucrativos da pessoa que se prostitui, é […] uma opção que cabe dentro do poder de definição da política criminal que pertence ao legislador” (Acórdão n.º 421/17). 2.4. É que existe uma diferença substancial entre a mera atividade de prostituição (não punida), e a (outra) atividade que a fomenta, favorece ou facilita, deslocando a segunda do campo da mera liberdade individual para uma constelação de relações sociais muito mais complexas, e desligadas das circunstâncias referenciáveis à individualização do ato de prostituição, que é inevitavelmente próxima – demasiado pró- xima – de movimentos, nacional e internacionalmente organizados, cujo resultado (aqui referimo-nos ao resultado da atividade dos referidos movimentos organizados num plano superior ao de cada “empresário”), quase invariavelmente, corresponde à perpetuação de situações de diminuição da liberdade e de sujeição a um poder de facto que, as mais das vezes, escapa a qualquer controlo, visto que se exerce fora de relações
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=