TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

318 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aquisição e procura de serviços sexuais (a prostituição que só envolve o par individualizado formado pelo agente da oferta e o agente da procura), criminalizando-se, todavia, no conjunto de políticas designadas como abolição permissiva, as atividades intimamente relacionadas com o aproveitamento económico por terceiros do negócio da prostituição, como paradigmaticamente o são a gestão de bordéis, os negócios do tipo clubes ou bares de alterne, que comportem ligação à atividade de prostituição, e mesmo a simples inter- mediação, com o objetivo de lucro, no negócio da prostituição travada entre os polos originários (quem se prostitui e o cliente). 2.3.1. Não estando, manifestamente, em causa “[…] saber se a incriminação do lenocínio, nos moldes em que se se encontra prevista, traduz a melhor opção ao nível da política criminal” (disse-se no Acórdão n.º 421/17, retomando uma asserção já presente no Acórdão n.º 144/04, cfr. o respetivo item 8) – constitui tal incriminação uma opção de quem está democraticamente legitimado para efeito da tomada dessas opções –, importa notar que “[…] o critério da necessidade de tutela penal, enquanto decorrência do princípio da proporcionalidade, na dimensão acolhida no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, foi sempre apreciado pela jurisprudência constitucional proferida sobre a incriminação do lenocínio”, o que não impediu que se con- cluísse pela “[…] legitimação material da norma incriminadora constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, à luz do princípio da proporcionalidade” (Acórdão n.º 694/17). Este entendimento foi reiterado, por último, nos Acórdãos n. os 90/18 e 178/18, para além de diver- sas decisões sumárias (vide, designadamente, as Decisões Sumárias n. os 375/16, 359/17, 737/17, 129/18 e 519/18) e “não espelha o imobilismo” que, por vezes, se pretende assinar-lhe em algumas decisões de recusa indutoras de muitos dos recursos apreciados (vide o Acórdão n.º 160/20). Pelo contrário, resulta esse entendimento de viva discussão de argumentos de sinal contrário, atrás referida, a qual, simplesmente, não conduziu a uma alteração do sentido das decisões, que se reforçaram com novos fundamentos. Com efeito, no Acórdão n.º 178/18, pode ler-se: “[…] Em relação à constitucionalidade da norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do CP, nos termos da qual «Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição», alega uma vez mais o recorrente que o facto de a norma não exigir como requisito da incriminação «a exploração de situações de abandono ou de necessidade económica», implicaria uma violação, na sua perspe- tiva, do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, por não estar o legislador a tutelar a liberdade sexual das pessoas prostituídas, mas sim uma determinada moral social, que não competiria ao direito penal proteger, de acordo com o princípio da intervenção mínima ou da ultima ratio , invocando a seu favor os argumentos aduzidos nos votos de vencido à jurisprudência dominante neste Tribunal, que tem proferido um juízo negativo de inconstitucionalidade em relação à norma impugnada. Os argumentos referidos nos votos de vencido incidem sobre a ausência de um bem jurídico com dignidade penal, que se traduzisse na proteção de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e no entendimento, segundo o qual a norma prevê um crime sem vítima, que visaria apenas a prevenção ou a repressão do moralismo ou de sentimentos religiosos, e que traduziria um paternalismo do legislador, que seria até suscetível de ofender a liberdade das pessoas que, de livre vontade, se quisessem prostituir. Contudo, como tem sido reafirmado pela jurisprudência dominante no Tribunal Constitucional, esta norma visa combater um fenómeno invisível na sociedade e que se traduz na exploração das pessoas prostituídas, que pres- tam um consentimento meramente formal à atividade da prostituição, mas que não vivem em estruturas económico- -sociais que lhes permitam tomar decisões em liberdade, por pobreza, desemprego e percursos de vida marcados pela violência e pelo abandono desde uma idade muito jovem. Por outro lado, o fenómeno da prostituição, nos últi- mos trinta anos, mudou muito, verificando-se uma estrita ligação entre a prostituição e o tráfico de pessoas, o qual atinge dimensões crescentes, inimagináveis há algumas décadas. Verificou-se também que o sistema não

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