TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
311 acórdão n.º 72/21 o acesso à cidadania, à liberdade, à igualdade de direitos, e à autonomia na condução da sua vida. As pessoas são utilizadas como fonte de lucro para outrem, através de uma atividade que é hoje designada como a escravatura dos tempos modernos, tratando-se a prostituição de um dos negócios mais rentáveis do mundo, movimen- tando cerca de $186.00 biliões por ano e envolvendo cerca de 40-42 milhões de pessoas, 90% das quais depen- dentes de outrem e 75% das quais têm idades compreendidas entre 13 e 25 anos (...). Segundo estatísticas dos Estados membros da EU, cerca de 60% a 90% das pessoas prostituídas são vítimas de crimes de tráfico (...). (...) Existe consenso entre os Estados membros da UE de que o tráfico de pessoas e a exploração sexual devem ser erradicados, [existindo dados estatísticos] segundo os quais, em 2008, 90% das pessoas prostituídas eram mulheres e a maioria das mulheres prostituídas eram migrantes, principalmente da Europa de Leste). Segundo o mesmo estudo do Parlamento Europeu, está a «ganhar apoio crescente a conceção que entende que o negócio da prostituição não pode ser legitimado, por violar os princípios ínsitos na Carta dos Direitos Fundamentais, entre os quais se encontra o princípio da igualdade» (...). No quadro social e jurídico descrito, dada a complexidade da definição dos instrumentos legais adequados à proteção das pessoas prostituídas e ao combate ao tráfico, não pode deixar de se entender que está dentro da margem de liberdade do legislador democrático consagrar o modelo de criminalização do lenocínio, nos mol- des em que o faz o artigo 169.º, n.º 1, do CP, que não padece assim de qualquer vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.» 10. Todavia, nem os argumentos de natureza normativa nem os de natureza empírica acima apresentados são capazes de afastar a circunstância de que, na sua configuração atual, o tipo legal de crime do lenocínio simples abrange mais hipóteses do que aquelas que, à luz daqueles mesmos argumentos, se justificaria que abrangesse. Naturalmente, a linha de enten- dimento segundo a qual este tipo legal de crime é inconstitucional não questiona que «a liberdade, designadamente a liberdade sexual» (Acórdão n.º 421/17) constitua um direito constitucionalmente protegido para os efeitos do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, nem que possa existir uma «normal associação», empiricamente comprovável, «entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social, das pessoas que se dedicam à prostituição, fazendo desta um modo de subsistência» (Acórdão n.º 144/04, reiterado v. g. pelo Acórdão n.º 178/18). O ponto essencial para a linha que afirma a inconstitu- cionalidade – ou, pelo menos, o mínimo denominador comum aos vários entendimentos que nela se inscrevem – é o de que é ilegítimo, em nome dessa tendencial associação e a fim de garantir a punição de todos os casos em que ela efetivamente se materialize, criminalizar hipóteses em que isso manifestamente não ocorre. Mais longe vão Anabela Miranda Rodrigues / Sónia Fidalgo, ‘Artigo 169.º’, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição (CCCP-I), pp. 798 segs., para quem «[n]em mesmo a exigência que se fazia na versão do Código Penal de 1995 quanto à verificação do elemento típico ‘exploração de situações de abandono ou de necessidade económica’ justificava [a] incriminação», pois «de vontade deficiente na decisão não se pode falar logo, só pelo facto de a pessoa estar em situação de abandono ou de necessidade económica». Procurando novamente um denominador comum mínimo, terá pelo menos de concordar-se que o papel que era desempenhado pela exigência típica de que haja exploração de uma situação de abandono ou necessidade econó- mica da pessoa que se prostitui não foi substituído pelo que é agora desempenhado pela exigência típica de que a pessoa que favorece, fomenta ou facilita a prostituição o faça profissionalmente ou motivado pelo lucro. Esta exi- gência, que antes surgia prevista como elemento qualificativo do tipo legal de base e agora faz parte dele, não tem a virtualidade de cingir o âmbito desta norma incriminatória a hipóteses em que existe uma exploração da pessoa que se prostitui, o elemento mínimo para que possa falar-se de um perigo para a liberdade sexual. Na verdade, essa exigência nada diz sobre a pessoa que se prostitui, senão sobre aquela que contribui para que a mesma se prostitua, não se afigurando de todo evidente a existência de um nexo entre o caráter profissional ou lucrativo desta atuação e a debilidade de quem se prostitui. Além disso, a natureza profissional ou o intuito lucrativo da atuação da pessoa que favorece a prostituição não impede o estabelecimento de relações sinalagmáticas com a pessoa que se prostitui. O/A proprietário/a do alojamento que o explora a fim de que aí tenha lugar a prática de prostituição tanto poderá
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