TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
310 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. [O] Acórdão n.º 178/18, confirmando a Decisão Sumária n.º 129/18, acrescentou aos argumentos acima expostos alguns dados empíricos relevantes: «(...) Neste sentido, corroborando as conclusões dos Acórdãos citados, estudos sobre prostituição (...) demonstram que cerca de 75% a 90% das mulheres prostituídas foram vítimas de agressões físicas ou abuso sexual na infância, no seio da sua própria família e a maioria das pessoas prostituídas, de ambos os sexos, foi iniciada na prostituição por terceiros quando era menor de idade, havendo prova empírica suficiente de que a vitimação por abuso sexual na infância ou na adolescência contribuiu, de forma significativa, para a sua entrada na prostituição. Aproximadamente 90% das mulheres inquiridas indicou que gostava de deixar a prostituição, mas que tinha medo de ser rejeitada e de não ter emprego (…). Um outro estudo revelou que 62% das mulhe- res na prostituição relataram terem sido vítimas de violação e 68% apresentam sintomas de stress pós-traumá- tico tal como as vítimas de tortura (...), sendo consensual entre os estudos feitos o elevado risco de violência e de morte das mulheres prostituídas (...). Por outro lado, o fenómeno da prostituição, nas últimas décadas, passou a estar ligado ao tráfico de mulhe- res e de meninas para exploração sexual, um dos negócios mais rentáveis do mundo e que criou a chamada “escravatura” dos tempos modernos, sendo a linha de fronteira entre serviços sexuais prestados com consenti- mento e prostituição forçada ténue e muito difícil de provar. A prostituição é hoje considerada uma forma de violência contra as mulheres integrada no conceito de violência de género, que atinge de forma desproporcio- nada as mulheres só pelo facto de o serem ( Lobby Europeu de Mulheres, Resolução do Parlamento Europeu, de 5 de abril de 2011). Para além destas considerações, a prostituição é uma instituição patriarcal que promove na sociedade a ideia de que o dinheiro permite aos homens o uso do corpo das mulheres como objeto sexual, propriedade dos homens, constituindo uma violação da dignidade humana de todas as mulheres e um obstá- culo à construção de uma sociedade baseada na igualdade de género, tarefa fundamental do Estado imposta constitucionalmente no artigo 9.º, alínea h) , da CRP. A incriminação das condutas previstas no artigo 169.º, n.º 1, da CRP corresponde, neste contexto, a uma opção de política criminal justificada pela normal associação entre as condutas que são designadas como leno- cínio e a exploração da necessidade económica e social das pessoas prostituídas, que dependem desta atividade para sobreviverem, surgindo a prostituição, em regra, não como uma escolha sua baseada na liberdade e na autonomia, mas como a continuidade do seu percurso de abandono, pobreza e vitimação por abuso sexual na infância. (…) [E]sta norma visa combater um fenómeno invisível na sociedade e que se traduz na exploração das pessoas prostituídas, que prestam um consentimento meramente formal à atividade da prostituição, mas que não vivem em estruturas económico-sociais que lhes permitam tomar decisões em liberdade, por pobreza, desemprego e percursos de vida marcados pela violência e pelo abandono desde uma idade muito jovem. Por outro lado, o fenómeno da prostituição, nos últimos trinta anos, mudou muito, verificando-se uma estrita ligação entre a prostituição e o tráfico de pessoas, o qual atinge dimensões crescentes, inimagináveis há algumas décadas atrás. Verificou-se também que o sistema não tem instrumentos para distinguir, na prática, a ténue linha que separa o consentimento da pessoa para a prática de atos de prostituição das situações de tráfico e prostituição forçada. As leis que criminalizam o uso do serviço sem o consentimento da vítima enfrentam dificuldades sérias na sua implementação e o sistema não consegue aplicá-las efetivamente (...). Neste contexto de política criminal, o desaparecimento do requisito da «exploração de um estado de necessidade ou de abandono» situa-se dentro da margem de liberdade de conformação do legislador democrático e visa, não a tutela de qualquer moral, mas a proteção de direitos fundamentais das pessoas à autonomia, à integridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à dignidade (artigos 1.º, 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da CRP). A prostituição é uma questão que preocupa os Estados, por estar associada ao tráfico de pessoas e implicar uma violação de direitos humanos de um número cada vez mais elevado de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças migrantes (traficadas de países subdesenvolvidos para países desenvolvidos), impedindo a estas pessoas
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