TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

304 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No caso, já argumentativamente apontado (Maria Fernanda Palma, Direito constitucional penal, Coimbra, 2006, p. 78, n.º 69), da ‘severa punição do tráfico de droga’, por contraste com a descriminalização do consumo, a legitimidade daquela punição é incontroversa, justamente porque é certo que o tráfico possibilita e potencia a afetação de bens pessoais dos consumidores, com proteção constitucional. […] Ora, não parece sustentável que a ideia geral e abstrata de dignidade da pessoa, desvinculada de qualquer dimensão garantística da autodeterminação de quem se prostitui, conserve ainda um conteúdo constitucionalmente determinado, capaz de validar a restrição a direitos fundamentais que a criminalização representa. Como vimos, a densificação e concretização jurídico-positiva dessa ideia, na ordem constitucional, são levadas a cabo pela consagração de direitos de defesa e de direitos sociais, cobrindo a dupla dimensão negativa e positiva da dignidade da pessoa. Por esse todo normativo é possível dar substância à posição constitucional de igual reconheci- mento e respeito de que cada pessoa, individualmente considerada, como ser único e diferenciado, goza. Mas falham de todo indicações normativas precisas, no plano constitucional, para fazer decorrer da dignidade da pessoa humana obrigações negativas de conduta, criminalmente sancionáveis, não impostas pela tutela de bens pessoais de outra pessoa. […] Deste modo, a paradoxal objetivação, no plano das relações intersubjetivas, do atributo pessoal da dignidade, impositiva de deveres não correlacionados com o necessário respeito pela concreta autoconformação da personali- dade do outro, não é feita a partir de dados da própria Constituição, mas de uma ideia prévia e exógena a ela, com base na moral comum. Não se afigura, assim, que a intervenção do direito penal, neste domínio, vise ‘salvaguardar outros direitos ou inte- resses constitucionalmente protegidos’, como exige o n.º 2 do artigo 18.º da CRP. Ela decorre, antes, da tutela dos ‘bons costumes’, conceito que, embora radique noutros complexos normativos e não se mostre concretizável por inferências retiradas da Constituição portuguesa – que, aliás, ao invés de outras leis fundamentais, não lhe faz qualquer referência −, é elevado a padrão constitucional, como fator de legitimação de uma incriminação e, logo, de restrições a direitos fundamentais do agente do crime. […] Está fora de qualquer dúvida de que a proteção da liberdade sexual das pessoas está entre os fundamentos, não só ‘ético-sociais’, como também jurídico-constitucionais, da ‘vida em sociedade’ (para utilizarmos a epígrafe da versão inicial do Código Penal de 1982). O que se contesta é que uma certa conceção de ordem moral (ainda que generalizadamente aceite no meio social) constitua, em si mesma, uma dimensão da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana, justificando a sua aplicação autónoma no âmbito criminal, sem conexão com a tutela de um bem constitucionalmente definido e protegido. Há que concluir que a caracterização legal do crime de lenocínio, ao dispensar, após a revisão de 1998, como elemento estrutural do tipo, o aproveitamento pelo agente de uma situação de abandono social ou de carência económica da vítima, ultrapassa, com ofensa ao princípio da proporcionalidade, o que seria justificado pela função tutelar de um específico bem jurídico-penal. […]” (itálicos acrescentados). 2.2.3. No Acórdão n.º 641/16, divergiram o Senhor Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro e o Senhor Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade . O primeiro fê-lo apondo à decisão a seguinte declaração de voto (que retomou, por remissão, no Acórdão n.º 694/17): “[…] Votei vencido por entender que a norma do n.º 1 do artigo 169.º do Código Penal, na redação dada pela Lei n. os 65/98, de 2 de setembro, é inconstitucional, por violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

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