TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL afinal, a tese derrotada, a propósito do lenocínio, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 144/04 ); no entanto, o facto de o Estado permitir condutas autolesivas em nome de um princípio da liberdade individual não significa que deixe de ter opinião sobre elas e que deva estimulá-las – deixando abrir casas de jogo, permitindo o tráfico de drogas ou admitindo o lenocínio. No fundo, é esta diferenciação, reconhecida por Stuart Mill, que explica, por exemplo, a descriminalização do consumo (Lei 30/2000, de 29 de novembro), em contraste com a severa punição do tráfico de droga (Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro) na Ordem Jurídica portuguesa. […]” (itálico acrescentado). 2.2. Como antes dissemos, diversos Acórdãos, no seguimento do Acórdão n.º 144/04, se pronunciaram sobre idêntica questão, nem sempre por unanimidade. Assim, se o juízo de não inconstitucionalidade foi (tal como no Acórdão n.º 144/04) unânime nos Acórdãos n. os 196/04, 303/04, 170/06, 591/07, 141/10, 559/11, 605/11, 203/12, 149/14, 178/18, 160/20 e 589/20, o mesmo já foi maioritário nos Acórdãos n. os 396/07, 522/07, 654/11, 641/16, 421/17, 694/17 e 90/18 e, como vimos, no Acórdão ora recorrido afir- mou-se, por maioria, o juízo inverso: o de desconformidade à Constituição. Importa, pois, indicar as razões das divergências que foram emergindo nas decisões do Tribunal Cons- titucional sobre a questão da inconstitucionalidade da norma incriminadora do lenocínio, divergências essas que podemos situar em quatro momentos principais: no Acórdão n.º 396/07 (com declaração de voto reto- mada, por remissão, no Acórdão n.º 522/07); no Acórdão n.º 654/11; no Acórdão n.º 641/16 (com decla- rações de voto retomadas, por remissão, nos Acórdãos n. os 421/17, 694/17 e 90/18); e, por fim, no Acórdão n.º 134/20, que constitui objeto do presente recurso. 2.2.1. No Acórdão n.º 396/07, divergiu a Senhora Conselheira Maria João Antunes , opondo à posição da maioria a seguinte declaração de voto (que retomou no Acórdão n.º 522/07): “[…] Votei vencida por entender que o artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, é inconstitucional, por violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. A Lei n.º 65/98 alterou a estrutura típica do crime de lenocínio, previsto no artigo 170.º do Código Penal, eliminando a exigência típica da ‘exploração duma situação de abandono ou necessidade’, ao arrepio de uma evolução legislativa, em matéria de crimes sexuais, que se inscreve num paradigma de intervenção mínima do direito penal, o ramo do direito que afeta, mais diretamente, o direito à liberdade (artigo 27.º, n. os 1 e 2, da CRP). Num paradigma em que a intervenção é apenas a necessária para a tutela de bens jurídicos (não da moral), que não obtêm proteção suficiente e adequada através de outros meios de política social. Com eliminação daquela exigência típica, o legislador incrimina comportamentos para além dos que ofendem o bem jurídico da liberdade sexual, relativamente aos quais não pode ser afirmada a necessidade de restrição do direito à liberdade, enquanto direito necessariamente implicado na punição (artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n. os 1 e 2, da CRP). Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/95 […] ‘ o que justifica a inclusão de certas situa- ções no direito penal é a subordinação a uma lógica de estrita necessidade das restrições de direitos e interesses que decorrem da aplicação de penas públicas (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). E é também ainda a censurabilidade imanente de certas condutas, isto é, prévia à normativação jurídica, que as torna aptas a um juízo de censura pessoal. Em suma, é, desde logo, a exigência de dignidade punitiva prévia das condutas, enquanto expressão de uma elevada gravidade ética e merecimento de culpa (artigo 1.º da Constituição, do qual decorre a proteção da essencial dignidade da pessoa humana), que se exprime no princípio constitucional da necessidade das penas (e não só da subsidiariedade do direito penal e da máxima restrição das penas que pressupõem apenas, em sentido estrito, a ine- ficácia de outro meio jurídico’ (cfr., ainda, no sentido de o artigo 18.º, n.º 2, ser critério para aferir da legitimidade constitucional das incriminações, os Acórdãos n. os 634/93, 650/93, […], e 958/96, […]). […]” (itálicos acrescentados).

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