TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
29 acórdão n.º 123/21 9.º A referida insuficiente densificação normativa não parece conformar-se com a exigência constitucional em matéria de direito à vida e de dignidade da pessoa humana, nem com a certeza do Direito. Contudo, como bem alerta no seu parecer o Conselho Superior do Ministério Público, há uma outra dimensão em que essa falta de densidade se revela especialmente problemática. 10.º Com efeito, a concretização destes conceitos fica largamente dependente da decisão do médico orientador e do médico especialista. Resulta do disposto no artigo 4.º que o médico orientador emite parecer sobre se o doente cumpre todos os requisitos do artigo 2.º, devendo este ser confirmado por parecer de especialista, nos termos do previsto no artigo 5.º, o qual confirma a reunião das condições referidas, bem como o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza incurável da doença ou a condição definitiva da lesão. 11.º Para além de alguma redundância exibida por esta norma – referindo-se aos critérios já enunciados, e depois elencando-os numa ordem diversa, o que não contribui para a clareza e segurança jurídica – resulta claro, mais uma vez, que cabe aos clínicos, no âmbito do procedimento, a definição do preenchimento dos pressupostos para o exercício da antecipação da morte medicamente assistida, sendo depois tal verificado e confirmado pela Comissão de Verificação e Avaliação. 12.º Como é sabido, a Constituição veda ao legislador a delegação da integração da lei em atos com outra natureza que não a legislativa, nos termos do disposto no artigo 112.°, n.° 5. Na verdade, ao utilizar conceitos altamente indeterminados, ademais em matéria de direitos, liberdades e garantias, remetendo a sua definição, quase total, para os pareceres dos médicos orientador e especialista, o legislador parece violar a proibição de delegação, cons- tante no artigo 112.° da Constituição. 13.º Não se diga, por outro lado, que a insuficiente densificação normativa pode ser corrigida em sede de regula- mentação da lei. Nos termos do disposto no artigo 30.° do Decreto, o Governo aprova, no prazo máximo de 90 dias, a referida regulamentação. Todavia, sendo o presente Decreto o único instrumento legislativo que pode ser analisado neste momento, e padecendo ele das insuficiências assinaladas, a sua inconstitucionalidade não pode ser sanada com a expectativa de um regime futuro, cujo conteúdo se desconhece, ainda que dele o legislador faça depender a entrada em vigor do regime presente. É sobre este, e apenas sobre ele, que deve recair o juízo de con- formidade constitucional. 14.º Com efeito, como se referiu, ao não fornecer aos médicos quaisquer critérios firmes para a interpretação destes conceitos, deixando-os, no essencial, excessivamente indeterminados, o legislador criou uma situação de insegu- rança jurídica que seria, de todo em todo, de evitar, numa matéria tão sensível. Esta insegurança afeta todos os envolvidos: peticionários, profissionais de saúde, e cidadãos em geral, que assim se veem privados de um regime claro e seguro, num tema tão complexo e controverso.» 4. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 18 de fevereiro de 2021 e o pedido foi admitido na mesma data. 5. Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o Presi- dente da Assembleia da República veio apresentar resposta na qual oferece o merecimento dos autos. Anexou
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=