TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
286 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A recorrida, por seu turno, entende que a solução impugnada é fundamental para assegurar a tutela dos direitos fundamentais dos titulares de patentes, cuja proteção constitucional se retira, não apenas do artigo 62.º da Constituição, como também do artigo 42.º. Para a recorrida, do reconhecimento da possibilidade de os tribunais arbitrais decidirem sobre a validade das patentes com meros efeitos inter partes decorreria inclu- sivamente uma ablação de tais direitos fundamentais, na medida em que se permitiria que os requerentes de AIM pudessem beneficiar de um «monopólio de facto sobre a exploração económica da invenção patenteada participando com o do titular da patente, em detrimento de todos os demais agentes económicos do sector. Sem que a titularidade desse semimonopólio encontre justificação em qualquer avanço técnico, social ou económico proporcionado pelo seu novel titular.» Evitar uma tal ablação – defende ainda – constituiria fun- damento suficiente para condicionar as possibilidades de os requerentes de AIM invocarem a invalidade das patentes no âmbito do processo arbitral por via de exceção e para impedir que a norma objeto do presente possa ser julgada inconstitucional por ofensa ao princípio da proporcionalidade. Para ambas as partes a questão colocar-se-á, assim, como um insuperável conflito de direitos: a opção por uma ou outra das soluções processuais contrapostas é perspetivada como a única apta a evitar o sacrifício, de um lado, do direito de defesa dos requerentes de AIM e do seu direito à livre iniciativa económica (pro- tegidos pelos artigos 20.º e 61.º da Constituição), e de outro, das dimensões jusfundamentais dos direitos fundados na titularidade das patentes (ancoradas nos artigos 42.º e 62.º da Constituição). Considerado o sentido e o alcance da norma que integra o objeto do recurso, não são esses, todavia, os rigorosos termos em que a questão de constitucionalidade deve ser equacionada. 12. Tal como enunciada no requerimento de interposição, a questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso cinge-se à «questão de saber se a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes , viola o princípio [da] proibição da indefesa previsto nas disposições conjuga- das dos artigos 20.º e 18.º, n.º 2, da Constituição.» O que está em causa é, pois, determinar se, na modelação do processo aplicável à arbitragem necessária instituída pela Lei n.º 62/2011, na sua primitiva versão, o legislador poderia ter excluído a possibilidade de invocação, a título de exceção perentória, da invalidade da patente em que se funda o direito de propriedade industrial oposto ao requerente de AIM, sem desse modo pôr em causa, de forma arbitrária ou despropor- cionada, o direito deste a uma tutela jurisdicional efetiva. Desde logo por essa razão, não é correto assumir-se como premissa do julgamento requerido a este Tribunal que os direitos de propriedade industrial derivados de patentes sobre medicamentos de referência são mais ou menos dignos de tutela do que a liberdade de iniciativa económica dos requerentes de AIM que pretendem introduzir no mercado medicamentos gené- ricos. Para além de a própria relação de supra / infra ordenação que é à partida estabelecida entre os direitos fundamentais contrapostos não encontrar na Constituição o pretendido acolhimento, importa não perder de vista que tudo o que aqui se impõe determinar é apenas se as soluções jurídico-processuais por que optou o legislador de 2011 ainda são aptas a efetivar o nível de tutela jurisdicional que os direitos e interesses em confronto reclamam; isto é, se os mecanismos processuais de acesso ao direito consagrados na versão ori- ginária da Lei n.º 62/2011 são ou não suscetíveis de assegurar a ambas as partes em litígio a possibilidade de demonstrarem que as suas pretensões são fundadas e legítimas, através de um processo equitativo, que permita obter em prazo razoável uma decisão célere e congruente. Para além deste esclarecimento prévio, um outro se justifica ainda. É que, ao contrário do que parece pretender a recorrida, não cabe apreciar no âmbito do presente recurso a inconstitucionalidade, com funda- mento na violação do direito de propriedade (artigo 62.º da Constituição) e da liberdade de criação cultural (artigo 42.º da Constituição), de qualquer solução de direito infraconstitucional de sentido inverso àquela que foi concretamente aplicada nos autos. O que cabe é apenas atentar no peso relativo daqueles direitos
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