TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL definitiva. Quer isto significar que, nos termos da Lei Fundamental, cabe ao legislador permitir ou proibir a euta- násia, de acordo com o consenso social, em cada momento. 3.º Não é objeto deste requerimento ao Tribunal Constitucional, em todo o caso, a questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a Constituição, mas antes a questão de saber se a concreta regulação da morte medicamente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma com a Constituição, numa matéria que se situa no core dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por envolver o direito à vida e a liberdade da sua limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana. 4.º Esta mesma dificuldade é, de resto, reconhecida pelo legislador, na citada exposição de motivos, na medida em que afirma que “para que a intervenção, a pedido, de profissionais de saúde seja despenalizada sem risco de inconstitucionalidade por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a lei tem de ser rigorosa, ainda que recorrendo inevitavelmente a conceitos indeterminados, desde que determináveis 5.º Considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a antecipação da morte da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em i) situação de sofrimento intolerável, ii) com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, iii) quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde. 6.º O primeiro critério estabelecido é o da situação de sofrimento intolerável. Todavia, este conceito não se encon- tra minimamente definido, não parecendo, por outro lado, que ele resulte inequívoco das leges artis médicas. Com efeito, ao remeter-se para o conceito de sofrimento, ele parece inculcar uma forte dimensão de subjetividade. Uma vez que estes conceitos devem ser, nos termos do Decreto, como adiante se concretizará, preenchidos, no essencial, pelo médico orientador e pelo médico especialista, resulta pouco claro como deve ser mensurado esse sofrimento: se da perspetiva exclusiva do doente, se da avaliação que dela faz o médico. Em qualquer caso, um conceito com este grau de indeterminação não parece conformar-se com as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição, na matéria sub judice . 7.º O mesmo se diga do segundo critério, em particular do subcritério de lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico. 8.º Este subcritério aponta para uma solução pouco consentânea, de resto, com os objetivos assumidos pelo legis- lador, na medida em que permite uma interpretação, segundo a qual a mera lesão definitiva de gravidade extrema poderia conduzir à possibilidade de morte medicamente assistida. Este subcritério deve ser conjugado com o pri- meiro, é certo, e para além da lesão definitiva de gravidade extrema deve estar presente o sofrimento intolerável. Mas tendo em conta o que antecede – o carácter muito indefinido do conceito de sofrimento intolerável e a total ausência de densificação do que seja lesão definitiva de gravidade extrema, nem de consenso científico, não parece que o legislador forneça ao médico interveniente no procedimento um quadro legislativo minimamente seguro que possa guiar a sua atuação. Acresce que, sendo o único critério associado à lesão o seu carácter definitivo, e nada se referindo quanto à sua natureza fatal, não se vê como possa estar aqui em causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer em consequência da referida lesão, tal como alerta, no seu parecer, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
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