TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

270 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com tal iniciativa, as empresas de genéricos procuram garantir que a atividade industrial ou comercial que pre- tendem iniciar será legítima e não poderá ser entravada, potenciando desse modo a segurança dos investimentos, mesmo que escassos, que fizeram. 23.Noutros ordenamentos jurídicos, como o britânico, essa atividade processual, aí designada como de clearing the path , tem sido tradicionalmente considerada como um autêntico ónus para qualquer empresa que se proponha lançar no mercado produtos potencialmente abrangidos por uma patente em vigor, de tal modo que a ausência de tal iniciativa é justificação para o decretamento de providência cautelar impeditiva dessa comercialização, quando existam razões para que a empresa que é responsável pelo lançamento do genérico considerar como provável que o titular da patente proceda judicialmente para impedir a comercialização do mesmo(…). Ou seja, a premissa de que parte o Acórdão, de que “tendo em conta a duração habitual dos pleitos, é impro- vável que a decisão da jurisdição comum sobre a validade da patente transite em julgado em momento anterior ao do trânsito em julgado da decisão arbitral”, não só não está justificada nessa decisão como também não toma em consideração as circunstâncias de facto e de direito que rodeiam este mercado e a preparação de um pedido de AIM para um medicamento genérico. Aliás, tal premissa toma como regra o comportamento de uma empresa de genéricos imprudente e displicente, o que não se afigura, sob o ponto de vista metodológico, ser o paradigma a adotar. Mas, mesmo que aquela primeira premissa fosse correta, o que entendemos não ser, a segunda não o seria com certeza. De acordo com o Tribunal, a aplicação do artigo 36.º (atual 35.º) do CPI significaria que “mesmo que a empresa de medicamentos genéricos obtenha a declaração de nulidade da patente relativa ao medicamento de refe- rência, sempre continuará vinculada relativamente à indemnização ou a sanções pecuniárias compulsórias fixadas e transitadas em julgado o que, na realidade, deixa em aberto a possibilidade de condenação do agente do medicamento genérico pela prática de uma infração de um direito de propriedade industrial cujo título, afinal, é inválido ” (itálicos nossos). Neste ponto reside, fundamentalmente, o argumento que levou o Tribunal a concluir que a aplicação da norma em questão pode conduzir à ablação do direito defesa. É que, no Acórdão, se considerou que a procedência de uma ação declarativa de nulidade de uma patente não poderia salvar a empresa de genéricos dos efeitos de um anterior trânsito em julgado de uma sentença arbitral que tivesse condenado essa empresa a não comercializar os medicamentos protegidos pela patente que veio a ser posteriormente declarada nula. Mas não parece que assim deva ser. Comecemos por atentar no princípio geral estabelecido no artigo 287.º, n.º 1 do Código Civil a propósito dos efeitos da declaração de nulidade: “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente” O artigo 36.º, n.º 1 (atual 35.º n.º 1) do CPI confirma, na sua primeira parte, a aplicação do princípio da retroatividade, constante da primeira parte do artigo 287.º, n.º 1 do Código Civil, à declaração de invalidade da patente (“A eficácia retroativa da declaração de nulidade ou de anulação …”). Na segunda parte do preceito, excluem-se dessa retroatividade “os efeitos jurídicos já produzidos em cumpri- mento de obrigação, de sentença transitada em julgado, de transação, ainda que não homologada, ou em conse- quência de atos de natureza análoga” (…), ou seja, derroga-se a segunda parte do artigo 287.º, n.º 1 do Código Civil no que toca aos efeitos já produzidos, eliminando nomeadamente a “repetição do indevido”. De tudo isto decorre que os efeitos retroativos da decisão invalidante apenas não afetam aquilo que já aconte- ceu em consequência, neste caso, da sentença arbitral condenatória transitada. Mas, como é evidente, e a contrario , ela destrói todos efeitos da sentença arbitral condenatória na parte em que o demandado na respetiva ação arbitral a não tenha cumprido.

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