TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
249 acórdão n.º 23/21 10. Ora, na parte que se refere aos artigos 84.º a 87.º da Lei do Jogo, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, é evidente que a recorrente não observou o ónus de enunciar a(s) norma(s) cuja constitucionalidade pretende ver apreciada. A recorrente limita-se a citar uma série de artigos que se desdobram em vários números e compreendem múltiplas disposições, não fazendo o menor esforço para identificar as concretas normas que entende inva- direm a reserva de competência da Assembleia da República estabelecida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição (CRP). A definição rigorosa de um objeto para o recurso implicaria, na verdade, um exercício exaustivo de inventariação e interpretação das peças processuais e das decisões judiciais que constam dos autos, mediante o qual o próprio Tribunal assumiria o ónus que a lei faz recair sobre o recorrente. Fazê-lo seria exceder largamente o horizonte de uma atuação judicial pro actione , colocando o juiz na posição de definir o objeto do recurso, manifestamente incompatível com os princípios do pedido e da imparcialidade e com as regras legais relativas aos ónus processuais. De resto, a recorrente teve toda a oportunidade para suprir a insuficiência do requerimento de interposição do recurso na resposta ao convite ao aperfeiçoamento; não o tendo feito, e assim inobservando definitivamente o seu ónus, resta aplicar, nesta parte, a cominação legal da rejeição do recurso. 11. No que respeita à inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de outubro, admite-se que a recorrente observou, ainda que de modo deficiente, o ónus de identificar o objeto do recurso. O preceito em causa prevê que «[a]s contrapartidas anuais a que continuam obrigadas as concessionárias das zonas de jogo do Algarve, Espinho, Estoril e Póvoa de Varzim não podem ser inferiores aos valores indi- cados no mapa anexo ao presente diploma, depois de previamente convertidos em euros do ano corrente a que respeitam, nos termos do número anterior.» Chamada a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, a recorrente esclareceu que pretendia ver apreciada a norma deste preceito, na medida em que, ao estabelecer um valor mínimo para a contrapartida anual a que a recorrente se encontra obrigada, «cria um imposto», assim invadindo a reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Foi ainda possível verificar que o «montante global de € 3 241 292,11» liquidado através do ato impug- nado nos autos é o resultado da diferença entre o valor mínimo da contrapartida anual (fixado nos termos previstos no n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 271/2001, de 17 de outubro) e o valor correspondente a 50% das receitas brutas efetivamente obtidas, em 2016, com a exploração dos jogos no casino em questão (a cujo pagamento a recorrente se encontraria obrigada nos termos da cláusula 4.ª, n.º 2, do contrato publicado no Diário da República , 3.ª série, n.º 37, de 14 de fevereiro de 1989, fls. 2721-2722). Como tal, a disposição em causa foi determinante do sentido da decisão recorrida. Contrapôs, contudo, a recorrida que o recurso não deve, também nesta parte, ser admitido, uma vez que não incide sobre qualquer norma, mas sim sobre a decisão recorrida na parte em que qualifica a contra- partida anual como uma contraprestação contratual e não como um imposto. Sucede que a caracterização das prestações patrimoniais exigidas por entidades públicas − reconduzindo-as às categorias tributárias de imposto, taxa ou contribuição, ou a uma categoria não-tributária, como uma prestação contratual − resulta da qualificação constitucional do quadro legal, matéria que integra inequivocamente os poderes cognitivos da jurisdição constitucional. Trata-se, na verdade, do juízo decisivo quanto à questão de saber se foram cria- dos impostos sem respeito pelas normas constitucionais relativas à distribuição da competência legislativa. Como se afirmou no Acórdão n.º 344/19: «A qualificação jurídica dos tributos tem vindo a ser abordada e resolvida praticamente desde o início da atividade do Tribunal Constitucional, quer para efeito de determi- nação das regras aplicáveis de competência legislativa, quer para se determinar os princípios constitucionais que os legitimam. Reservando a CRP uma disciplina mais exigente aos impostos, o Tribunal não pode deixar de controlar se o nomen atribuído pelo legislador a um certo tributo corresponde ou não ao sentido substan- cial que a Constituição lhe dá.»
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