TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
24 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL numa maior densificação do elemento normativo que se pretende consagrar enquanto pressupos- to da não punição da antecipação da morte medicamente assistida. XXXII – Parecendo certo que o conceito de lesão de gravidade extrema incorpora, relativamente às lesões graves, um diferenciador essencialmente qualitativo – no sentido em que nem todas as lesões gra- ves serão qualificáveis, nas suas manifestações mais severas, como lesões de gravidade extrema –, verifica-se que o Decreto n.º 109/XIV não fornece quaisquer pontos de referência com base nos quais aquele deverá operar; afigura-se ser ainda possível, desejável e exigível uma maior densifi- cação quanto à “gravidade extrema” da lesão, designadamente por referência às lesões corporais e às lesões funcionais, ou, quanto à afetação da capacidade, temporária ou permanente para o trabalho; esta conclusão é ainda reforçada por o contexto em que ocorre a antecipação da morte medicamente assistida não punível – que é totalmente novo – em nada poder contribuir para uma maior concretização do significado da expressão em causa. XXXIII – Apesar de não ser fornecida qualquer indicação sobre como deve ser apurado ou identificado tal “consenso científico”, o dito “consenso científico” representará, em regra, a posição geralmente aceite num dado momento pela maioria de cientistas especializados em certa matéria – podendo ser em certa medida descortinado –, todavia, não são fixados elementos suficientemente seguros, certos, quer sobre a metodologia ou metodologias possíveis para o atingir (existindo várias pos- síveis), quer em relação ao universo dos peritos médicos segundo cujo consenso certa lesão deve ser considerada “definitiva” e “de gravidade extrema”; entendido nos termos referidos, o consenso cientifico à luz do qual deverão ser estabelecidas a irreversibilidade e a extrema gravidade da lesão acaba por assumir, no âmbito do enunciado normativo em que se inscreve, um significado essen- cialmente tautológico ou redundante, pois como ato médico que é, tal verificação encontra-se sujeita às leges artis , que corporizam o conjunto das regras que o médico está obrigado a respeitar em cada ato clínico. XXXIV – As anteriores considerações, quer em relação à “lesão definitiva”, quer relativamente à sua “gra- vidade extrema”, quer, finalmente, no tocante à exigência de um “consenso científico” tendo por objeto lesões definitivas de gravidade extrema, evidenciam a manifesta insuficiência da densifi- cação normativa da respetiva previsão legal, tornando, por isso, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV inapto, por indeterminação, para disciplinar em termos previsíveis e controláveis as condutas dos seus destinatários; neste segmento, aquele Decreto não satisfaz o princípio da determinabilidade das leis e contende com a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, por referência ao seu artigo 24.º, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no artigo 1.º de tal normativo. XXXV – O juízo de inconstitucionalidade quanto à norma do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV formulado no número anterior importa um juízo de inconstitucionalidade consequente das demais normas mencionadas no requerimento – as que constam dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º –, na medida em que se referem àquela, expressamente ou por remissão, para o cumprimento dos requisitos ou das condições previstos no mesmo Decreto; este é um efeito inelutável justificado pela «centralidade» do referido artigo 2.º, n.º 1, na economia de todo o diploma.
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