TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
236 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL candidatos a diferentes assembleias de freguesia, uma vez que, «por se reportarem a uma autarquia diferente (embora compreendia na área municipal), terem necessariamente, entre si, subscritores diferentes e nos parecer que o nosso ordenamento jurídico impede a existência de autênticos partidos políticos «locais» ou «municipais», tal como expressamente impede partidos políticos de âmbito regional (LPP, artigo 9.º)» ( Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, Anotada e Comentada , edição da INCM e CNE, p. 153). A circunstância de se não admitir a propositura de grupos de cidadãos eleitores formado por indivíduos recenseados em várias freguesias (e que, assim, pudessem candidatar-se a várias assembleias de freguesia do mesmo concelho) não pode ser vista como restrição ao direito a participar na vida política. Da natureza deste direito fundamental decorre apenas que o Estado fica impedido de vedar a participação dos cidadãos da vida política, não se identificando no seu conteúdo um direito subjetivo à candidatura de grupos de cidadãos a todos os órgãos autárquicos do mesmo concelho. Pelo contrário, o que a Constituição garante é o direito a não ser privado da participação na vida política, quer mediante o voto, quer mediante a participação direta, sendo uma das suas dimensões, justamente, o direito de apresentação de candidaturas por grupos de cida- dãos eleitores (n.º 4 do artigo 239.º da Constituição). As normas fiscalizadas não privam qualquer cidadão de apresentar essas candidaturas: a lei prevê expressamente a viabilidade de os cidadãos formarem grupos de cidadãos candidatos aos órgãos autárquicos da área em que estão recenseados, podendo concorrer à assem- bleia de freguesia, à câmara municipal e à assembleia municipal. Por outro lado, esta forma de participação política – o direito a apresentar candidaturas por grupos de cidadãos eleitores – dirige-se a propiciar o envolvimento dos cidadãos nos órgãos das autarquias locais que dizem respeito a esses cidadãos, implicando-os na governação das autarquias em cuja área estão recenseados. No fundo, a promoção da participação política liga-se à promoção da autodeterminação das populações para tutela dos seus interesses próprios (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição). Nessa medida, permitindo as normas fiscalizadas que um grupo de cidadãos eleitores possa candidatar-se a todos os órgãos das autarquias em cuja área os proponentes estão recenseados (assembleia de freguesia, câmara municipal e assembleia municipal), o legislador cumpriu a injunção constitucional de consagrar tal forma de participação cívica. A circunstância de estar impedida a candidatura aos órgãos das demais freguesias do mesmo concelho não contende com o direito de participação dos cidadãos: a admitir-se o contrário, seria igualmente uma restrição ao direito de participação dos cidadãos na vida política a impossibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores se candidatar a órgãos autárquicos de vários concelhos do país. Acresce, no que respeita à candidatura a órgãos autárquicos de áreas distintas daquela em que os eleitores estão recenseados, que o direito de participação política está garantido através de candidaturas partidárias, sobretudo atendendo ao lugar que os partidos políticos ocupam na arquitetura constitucional (os artigos 51.º e 114.º da Constituição) como sujeitos predominantes da participação política e, como consequência, da opção constitucional por uma democracia partidária Por outras palavras: o direito de participação política exercido na candidatura de grupos de cidadãos eleitores convive – e não exclui – com o direito de partici- pação política através de candidaturas partidárias, que não exigem qualquer filiação partidária (artigo 16.º, n.º 4, da LEOAL). Mas ainda que não fosse este o entendimento – isto é, mesmo que se configurasse a impossibilidade de candidatura de um grupo de cidadãos eleitores a todas as assembleias de freguesia do mesmo concelho como restrição ao direito de participação na vida política –, nem assim se poderia concluir, sob este parâmetro, pela violação da Constituição. Com efeito, a fundamentação da participação política, ao nível da eleição democrática dos órgãos do poder local, dirige-se ao cumprimento da missão constitucionalmente atribuída às autarquias: a «prossecução de interesses próprios das populações respetivas» (n.º 2 do artigo 235.º da Constituição). A autonomia local constitucionalmente garantida vai para além da autonomia administrativa, constituindo também uma estrutura do poder político, sendo neste contexto que se prevê uma autodireção e autogestão, que cabe aos órgãos democraticamente constituídos no âmbito da própria coletividade local. Neste quadro, mesmo que se qualificasse como restrição legislativa a limitação do direito de apresentar candidaturas aos órgãos autárquicos da área respeitante ao recenseamento dos proponentes, sempre se teria
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=