TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
230 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, sempre se exigiria, nesta situação, por parte do legislador, o cumprimento de uma obrigação agravada de fundamentação da diminuição do âmbito e modo de exercício do direito de participação polí- tica, na dimensão de apresentação de candidaturas de grupos de cidadãos aos órgãos das autarquias locais, operada pela alteração legislativa. Atendendo à intrínseca relação que se estabelece entre as normas consti- tucionais consagradoras de direitos positivos e as normas legais concretizadoras do seu conteúdo material, parece-me evidente que uma alteração de regime em sentido compressivo, com a importância da que aqui se analisa, teria, no mínimo, de ser justificada com base em ponderosas razões de interesse público, que cabe ao legislador esclarecer adequadamente. Ora, como bem se aponta, aliás, no pedido, as razões explicativas das modificações legais oferecidas na «exposição de motivos» do projeto de lei, em particular, a necessidade de clarificação da distinção essencial entre partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores, não parecem ter qualquer relação de causalidade evidente com as normas aqui em questão, não se compreendendo como e em que medida poderiam estas contribuir para a prossecução de tais desígnios. Inexiste, assim, qualquer jus- tificação ou fundamentação atendível para a diminuição, por via legislativa, do sentido, conteúdo e alcance já concretizados do direito fundamental em causa, razão que entendo suficiente para votar favoravelmente a presente declaração de inconstitucionalidade. – Mariana Canotilho. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencida com o seguinte entendimento: 1 – As normas fiscalizadas vêm regular os termos da admissibilidade de candidaturas de grupos de cida- dãos para órgãos autárquicos (assembleia municipal, câmara municipal e assembleia de freguesia). As candi- daturas apresentadas por grupos de cidadãos nas eleições autárquicas são expressamente admitidas pelo n.º 4 do artigo 239.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição), que remete para a lei a respetiva concretização: «As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei». A Constituição especifica, assim, um concreto direito de participação política dos cidadãos, traduzido na faculdade de concorrer aos órgãos das autarquias locais (freguesias e municípios) através de grupos de cidadãos eleitores. Trata-se de previsão constitucional que se alicerça no direito de participação na vida polí- tica consignado no n.º 1 do artigo 48.º «Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos». Em anotação a esta norma, Jorge Miranda afirma que tal norma reflete a transposição para o plano subjetivo do principio fundamental proclamado nos artigos 2.º, 3.º e 9.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, enquanto Gomes Canotilho assinala que os direitos políticos ou de participação política são direitos de cidadania, ou seja, direitos dos indivíduos enquanto cidadãos, enquanto membros da «república», que o mesmo é dizer, da coletividade politicamente organizada e são simultaneamente parte integrante e garantia do principio democrático, constitucionalmente garantido. Ora, a Constituição individualiza uma específica dimensão de participação dos cidadãos, que o legisla- dor está vinculado a concretizar. Na interação das referidas normas constitucionais, a viabilidade de candidaturas a órgãos autárquicos por grupos de cidadãos eleitores inscreve-se na participação política dos cidadãos. Trata-se, portanto, de cidadãos que decidem tomar parte ativa na vida pública, tentando capturar a direção dos órgãos eletivos de âmbito local e assim influenciar de forma determinante o processo de tomada de decisão política, fazendo parte do mesmo. A circunstância de se não admitir a propositura de grupos de cidadãos eleitores formado por indivíduos recenseados em várias freguesias (e que, assim, pudessem candidatar-se a várias assembleias de freguesia do mesmo concelho) não pode ser vista como restrição ao direito a participar na vida política.
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