TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

23 acórdão n.º 123/21 critério de acesso à antecipação da morte medicamente assistida, assume uma natureza eminen- temente subjetiva, estando estreitamente associado à identidade pessoal de cada um, ao modo como se organiza na sua vivência interior, não podendo deixar de ser o elemento informativo mais relevante para o médico orientador e para o médico especialista, o modo como o doente manifesta e verbaliza o seu sofrimento, ou seja, a perspetiva individual do doente. XXIX – O reconhecimento de que o sofrimento, ainda que fortemente subjetivo, permanece heteroavaliá- vel e verificável, usando para tanto, nas suas expressões não estritamente fisiológicas, ferramentas desenvolvidas por ramos da ciência médica como a psiquiatria ou a psicologia, suporta o enten- dimento de que o critério normativo «situação de sofrimento intolerável», pese embora amplo e interminável, desprovido da definição de situações concretas, não é, em si mesmo, indeterminá- vel; a sua interpretação e aplicação é confiada a profissionais de saúde qualificados, sujeitos ao cumprimento das  leges artis , desde logo em função do conhecimento científico relativo à concreta patologia do doente, de incontornável natureza objetiva, com a qual o sofrimento intolerável forma uma unidade de sentido na teleologia do sistema normativo de antecipação da morte medi- camente assistida não punível que o Decreto n.º 109/XIV pretende instituir; nessa medida, apesar de indeterminado, o conceito em apreço não é indeterminável, mas antes determinável; acresce que a sua abertura se mostra adequada ao contexto clínico em que terá de ser aplicado por médi- cos, razões que justificam suficientemente o grau de indeterminação em causa, não permitindo, no domínio particular da antecipação da morte medicamente assistida, a conclusão de que aquele grau contrarie as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição; poderia o legisla- dor ter escolhido outros caminhos, todavia, face à rápida evolução do conhecimento médico, uma excessiva aproximação às expressões concretas da vida comportaria um elevado risco de perda de consistência lógico-categorial. XXX – Quanto ao conceito descritivo de um dos subcritérios do segundo critério – a lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico – está em causa uma condição cumulativa, a tratar como condição objetiva, que pressupõe um diagnóstico consolidado; a lesão, enquanto traumatismo ou alteração patológica de um tecido, podendo ou não ser incapacitante, é verificável e suscetível de heteroavaliação; se o adjetivo definitiva não suscita especiais dúvidas, o problema coloca-se a montante, quanto à noção de lesão, uma vez que esta pode corresponder a condições de gravidade muito díspar; o legislador qualifica-a, é certo, como definitiva, o que parece pres- supor um juízo sobre o seu caráter permanente e irreversível, mas, de modo a cingir o universo de lesões definitivas prefiguráveis, impôs que a lesão seja de gravidade extrema de acordo com o consenso científico; o segundo problema que se coloca é o de apreender o sentido de tal gravidade extrema, quando reportado a uma lesão definitiva, já que o legislador não concede qualquer indí- cio do que se deva entender, para este efeito, como extremamente grave, nem é possível considerar que, por remissão para os conhecimentos da ciência médica, a norma se torne facilmente determi- nável pelos seus destinatários. XXXI – A opção legislativa neste domínio tem de ser clara, de modo a permitir um juízo igualmente claro quanto à respetiva legitimidade constitucional, nomeadamente à luz da inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição; o legislador poderia ter mobilizado outros conceitos, muito mais comuns na prática (médica ou jurídica), que, sem perder plastici- dade, seriam prontamente apreensíveis quando associados ao pressuposto relativo ao sofrimento intolerável; seria possível ao legislador encontrar uma formulação alternativa, que se traduzisse

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