TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

229 acórdão n.º 247/21 os grupos de cidadãos têm um direito fundamental à apresentação de candidaturas a todos os órgãos do concelho; ii) que as normas questionadas o inviabilizam, pelo menos parcialmente; e ainda iii) que as ditas candidaturas têm de ter um regime jurídico de paridade com o dos partidos políticos. 4.1. Ora, correndo o risco de afirmar o óbvio, os grupos de cidadãos não existem autonomamente antes de constituídos para efeito das candidaturas, constituição essa que deve obedecer às condições que a lei exi- gir. Assim, “não existem, nem têm identidade política” antes das eleições, como aliás este Tribunal afirmou no Acórdão n.º 493/17. Na verdade, eles configuram-se como um meio, ou um instrumento, de realização do direito fundamental dos cidadãos à participação na vida política, na vertente específica de direito de apresentação de candidaturas aos órgãos das autarquias locais, tendo o legislador constituinte entendido consagrar duas alternativas para o seu exercício: a candidatura em listas partidárias e a candidatura em listas apresentadas por grupos de cidadãos. São, pois, os cidadãos individuais os titulares do direito fundamental aqui em causa. Deste modo, nos termos do regime jurídico instituído pelas normas questionadas, nenhum cidadão está privado da possibilidade de propor a candidatura de grupos, nem de através deles exercer a sua capacidade eleitoral ativa (neles votando) ou passiva (sendo candidato nas listas que apresentam), em todas as autarquias locais da sua área de residência: da sua freguesia e do seu município. 4.2. O exercício dos direitos acima referidos pode mesmo ser levado a cabo por via do mesmo grupo de cidadãos, com a mesma denominação, a mesma sigla e o mesmo símbolo. A única possibilidade que as nor- mas questionadas vedam é que um grupo de cidadãos nessas condições concorra simultaneamente à eleição dos titulares dos órgãos municipais e de várias assembleias de freguesia que integram o mesmo concelho. No entanto, não sendo os grupos titulares do direito fundamental violado, o problema de constitucionalidade não reside aqui, uma vez que os cidadãos individuais mantêm a liberdade de constituir e de apresentar a sua candidatura, através de tais grupos, a todos os órgãos autárquicos relevantes. Do ponto de vista da prestação mínima do direito, concretizadora da específica incumbência dirigida pela Constituição ao legislador, a obri- gação imposta pela Lei Fundamental está, na ótica de cada titular individual do direito, cumprida. 4.3. Por fim, a premissa segundo a qual as candidaturas dos grupos de cidadãos têm de ter um regime jurí- dico de paridade com o dos partidos políticos não só não tem nenhum suporte textual nas normas constitucio- nais, como se afigura contraditória com o lugar particular que a CRP reserva aos partidos políticos. Estes, tendo personalidade jurídica e identidade própria, bem como uma inequívoca vocação de durabilidade, são tidos por instituições fundamentais de uma democracia pluralista, veículo da “formação da vontade popular” (na expres- são do artigo 51.º, n.º 1, da Constituição), com direitos próprios e deveres correlativos, constitucionalmente impostos, de transparência, e de organização e gestão democráticas. Assim, a desigualdade introduzida pelas normas questionadas entre candidaturas de base cidadã e candidaturas partidárias, na disputa dos mandatos das autarquias locais, poderia fundamentar-se, precisamente, nesta óbvia diferença de estatuto constitucional. 5. Nestes termos, creio que a inconstitucionalidade das normas em apreço reside noutro facto: como muito bem explica o Acórdão, o regime jurídico em crise resulta, essencialmente, da alteração introduzida pelo artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto, ao n.º 4 do artigo 19.° da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto (LEOAL). Até então, inexistia a regra que considera distintos para todos os efeitos legais, os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes, mesmo que apresen- tem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho. Significa isto que as anteriores versões da lei consagravam um regime jurídico de exercício do direito fundamental aqui em causa de âmbito muito mais alargado, como também se demonstra no Acórdão. As alterações legislativas aprovadas em 2020 significaram a introdução de um condicionamento (ou seja, de um obstáculo adicional ao exercício) do direito fundamen- tal de participação política, ao comprimir o grau em que o mesmo se apresentava já regulado e assegurado pelo Estado.

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