TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

228 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL candidaturas por grupos de cidadãos eleitores. Ora, não se vislumbrando nenhuma outra razão para a restri- ção deste direito − em termos que justificassem a aferição da sua adequação, necessidade e proporcionalidade −, impõe-se concluir, como se conclui na decisão, ainda que com um percurso argumentativo diverso, que a mesma é inconstitucional. – Gonçalo de Almeida Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão e o respetivo fundamento paramétrico, mas afasto-me da fundamentação do Acórdão, a partir do ponto 10, por razões que passo a explicar, com brevidade. 1. Não creio que possa retirar-se da disposição normativa constante do n.º 4 do artigo 239.º da Consti- tuição, isoladamente considerado, a determinação constitucional do conteúdo do direito de tomar parte na vida política, através de grupos de cidadãos eleitores, nos termos em que o Acórdão o faz, em particular, no que respeita à afirmação de paridade com os partidos políticos, tomada em termos quase absolutos no que às eleições para os órgãos das autarquias locais respeita. Na verdade, este direito só pode ser adequadamente compreendido – como aliás a presente decisão acaba por (bem) reconhecer – em conjunção com o disposto no artigo 48.º, n.º 1, onde se consagra, de forma mais geral, o direito de participação na vida política. O direito a apresentar candidaturas aos órgãos das autarquias, por via de grupos de cidadãos eleitores, é, pois, uma (entre várias possíveis) forma constitucionalmente concretizada de exercer o direito (mais amplo) de participação política. 2. Porém, o direito que se recorta da conjugação das duas normas constitucionais mencionadas – e que constituem o parâmetro do Acórdão – é, antes de mais, um direito fundamental de natureza positiva, ou seja, um direito a uma prestação do Estado. O que se exige ao poder público é que aprove e implemente um regime jurídico que salvaguarde a possibilidade e defina as condições das candidaturas dos grupos de cida- dãos aos órgãos das autarquias locais. Daqui decorre, naturalmente, uma importante obrigação de natureza constitucional, para o Estado – no sentido de estar constitucionalmente vinculado a assegurar o exercício do direito –, mas, ao mesmo tempo, uma significativa margem de conformação para o legislador no que respeita às condições procedimentais impostas para tal. 3. Acontece, no entanto, que o facto de um direito fundamental poder ser caraterizado como um direito positivo, ou de prestação, não implica, de forma alguma, que ele não tenha também uma dimensão nega- tiva, de abstenção e/ou resistência à atuação do poder público, em particular, do legislador. Na verdade, isto decorre, muito simplesmente, da força normativa da Constituição e do consequente dever geral de respeito, por parte do Estado, pelos direitos fundamentais, aplicando-se, em termos idênticos, a todos esses direitos. O Estado tem, assim, uma obrigação constitucional de os não afetar negativamente, abstendo-se “de intervir nas possibilidades e capacidade de acesso que o particular (...) alcançou” (cfr. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais – Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais , AAFDL Editora, 2.ª edição, 2016). Nestes termos, torna-se claro que pode haver violações de direitos positivos com origem não na viola- ção de uma obrigação de facere , mas sim no incumprimento de obrigações negativas por parte do legislador. 4. O Acórdão qualifica as normas questionadas como uma restrição legal ao direito de participação polí- tica, na específica dimensão do direito a apresentar candidaturas de grupos de cidadãos eleitores às autarquias locais. Todavia, não me parecem convincentes os argumentos com base nos quais o sustenta, designadamente a ideia de que assim se inviabiliza “a apresentação de candidaturas de base extrapartidária à titularidade dos órgãos das autarquias locais”, que teria de ocorrer, por imposição constitucional, sempre, “em condições paralelas às dos partidos políticos”. No meu entender, esta visão das coisas assenta em três equívocos: i) que

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