TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
227 acórdão n.º 247/21 desse exercício coletivo de direitos individuais. Como se lê no Acórdão n.º 493/17, a propósito da impossibili- dade de os grupos de cidadãos, ao contrário dos partidos políticos, formarem coligações eleitorais: «Os partidos políticos têm uma existência anterior e independente a uma coligação e encarnam propostas políticas diversas com uma abrangência nacional; o propósito da coligação eleitoral é as diversas partes, através da mediação da diferença e do acordo de vontades, apresentarem uma candidatura conjunta à eleição. Já os grupos de cidadãos eleitores constituem-se no momento e com o propósito de concorrerem a uma determinada eleição, pelo que não existem, nem têm identidade política, antes dela; se dois conjuntos de cidadãos partilham um deter- minado projeto político, constituem um único grupo de cidadãos eleitores e apresentam uma única candidatura eleitoral. Se o não fizerem, e apresentarem candidaturas distintas – o que implica, naturalmente, que cada grupo de cidadãos apresente listas integralmente diversas de proponentes e de candidatos (artigo 16.º, n. os 3 e 6, da LEOAL) –, são, para todos os efeitos, grupos independentes, que concorrem entre si e com as restantes forças políticas na eleição em causa, cada qual com a sua lista de candidatos, com as suas denominação, sigla e símbolo, e com lugar próprio nos boletins de voto.» Por isso, o argumento de que a norma sindicada constitui uma restrição do direito de participação polí- tica através da apresentação de candidaturas de grupos cidadãos eleitores tem necessariamente de passar pela demonstração de que atinge a esfera do cidadão individual. Ora, ao contrário do que se afirma na decisão, a restrição operada pela norma não reveste a forma de uma ablação – a supressão de faculdades que integram o direito −, mas de um condicionamento – a criação de obstáculos ao exercício do direito. Assim é porque, da perspetiva do titular do direito fundamental − o cidadão individual −, o novo regime não limita o poder de apresentar candidatos aos órgãos das autarquias locais em cuja área se encontrem recenseados, antes dificulta o seu exercício e deprecia o respetivo valor. Em termos mais sugestivos, o regime não tem repercussões nega- tivas nos poderes jurídicos do cidadão, mas nas suas possibilidades efetivas de participação política. Tal ocorre, no essencial, por quatro ordens de razão. Em primeiro lugar, porque o ónus de constitui- ção de múltiplos grupos de cidadãos eleitores, com denominação, sigla e símbolo distintos, por um lado, e acumulação de encargos burocráticos, por outro, elimina as economias de escala que se podem alcançar através da constituição de um grupo compósito e alargado que apresenta candidatos aos órgãos municipais e se desdobra em grupos menores que propõem candidatos ao nível da freguesia. Em segundo lugar, porque apesar de municípios e freguesias constituírem autarquias distintas, o exercício da autonomia local reclama uma simbiose entre os dois níveis, que se manifesta, quer no facto de os presidentes de junta serem mem- bros de pleno direito da assembleia municipal (não intervindo apenas nos assuntos que digam respeito à sua freguesia), quer no facto de os regulamentos municipais vincularem as freguesias. Em terceiro lugar, e em consequência dessa simbiose, é natural que um grupo de cidadãos encarne um projeto político que com- preende os dois níveis de exercício da autonomia local, pelo que a exigência formal de que se constituam dife- rentes grupos de cidadãos para as eleições aos órgãos municipais e de cada uma das freguesias compromete o exercício esclarecido do direito de voto – o mesmo é dizer, a verdade eleitoral. Finalmente, e como alerta a requerente, só as candidaturas aos órgãos municipais são elegíveis para beneficiar de subvenção estatal, de modo que a impossibilidade de um e o mesmo grupo de cidadãos eleitores concorrer simultaneamente aos órgãos autárquicos de ambos os níveis redundaria num desincentivo a esta forma de participação política, pelo menos no que ao nível inferior diz respeito. O facto de a norma sindicada ter por consequência a impossibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores disputar todos os mandatos a preencher na assembleia municipal, em virtude de os presidentes de junta serem membros desta por inerência, mais do que constituir uma razão autónoma para o juízo de inconstitucionalidade – como parece entender-se no aresto −, é revelador de que este regime, contrariamente ao que se refere na exposição de motivos do projeto de lei que deu origem à Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto, em vez de «clarificar» o processo eleitoral autárquico, é largamente artificial e espúrio, con- tribuindo para esvaziar de sentido o direito individual de participação política através da apresentação de
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