TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
224 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL assembleia municipal constitui a garantia do exercício pleno dessa autonomia local – do cerne da autonomia local: os mandatos são idênticos em poderes, dignidade e atribuições a todos os demais, influindo nos mes- mos exatos termos na formação das deliberações da assembleia municipal. Por fim, deve considerar-se que, ainda que a integração dos presidentes de junta de freguesia na assem- bleia municipal se dirija à representação, ao nível municipal, dos interesses da freguesia de que provêm, tal não impediria que o legislador conformasse uma solução normativa que acomodasse o interesse de repre- sentação das freguesias na assembleia municipal com a viabilidade da candidatura dos grupos de cidadãos eleitores à totalidade dos mandatos. Desde logo, seria possível que o legislador admitisse – como, de resto, sucedia até à introdução das normas fiscalizadas – a existência de grupos de cidadãos eleitores de abrangência municipal, com proponentes recenseados em várias freguesias (porventura com as mesmas exigências quanto ao número de proponentes de cada freguesia, para que se admitisse a candidatura aos órgãos da freguesia), admitindo-se assim a disputa de todos os mandatos da assembleia municipal. Dito de outro modo: a missão eventualmente cometida ao presidente de junta de freguesia de representação dos interesses da freguesia não é incompatível com a criação de soluções normativas que consagrem a viabilidade efetiva de candidatura por grupos de cidadãos eleitores a todos os mandatos da assembleia municipal. 15. O efeito decorrente das normas impugnadas que se traduz na impossibilidade de uma candidatura com a mesma base cidadã disputar todos os mandatos – direta e indiretamente eleitos – da assembleia muni- cipal de um determinado concelho – contraria a garantia da faculdade de os grupos de cidadãos eleitores apresentarem candidaturas aos órgãos das autarquias locais em condições de paridade com os partidos políti- cos, ao mesmo tempo que consubstancia uma segunda limitação do direito de participação na vida política, na vertente integrada pelo direito de propositura e de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores, em condições de paridade com os partidos políticos, aos órgãos eletivos do poder local. Encon- tra-se, por isso, em evidente tensão com o programa normativo definido pela Constituição no âmbito da concretização do princípio participativo, obrigando, tal como o efeito atrás considerado (vide supra n.º 11), à indagação das razões em que possa apoiar-se. De acordo com a exposição de motivos constante do Projeto de Lei n.º 226/XIV/l, que esteve na génese da Lei Orgânica n.º 1-A/2020, as alterações da LEOAL visadas pelo pedido destinam-se a «[c]larificar na lei que os grupos de cidadãos eleitores não se devem confundir com partidos políticos». A relação entre o regime que passou a constar dos n. os 4 a 6 do artigo 19.º da LEOAL e a finalidade invocada pelo legislador é, no entanto, de difícil compreensão. Que os grupos de grupos de cidadãos eleitores não devem ser confundidos com partidos políticos no âmbito do processo eleitoral é desiderato que a LEOAL prossegue através do estabelecimento, para as can- didaturas por uns e outros apresentadas, de distintos requisitos de admissibilidade. Tendo em conta que os grupos de cidadãos eleitores, ao contrário do que sucede com os partidos políticos, constituem, conforme notado já (vide supra n.º 8), organizações de tipo ocasional, a lei preocupa-se em assegurar a presença de uma efetiva base de apoio, aferida a partir da real existência de proponentes. É assim que se compreende o requisito relativo ao número de cidadãos proponentes, estabelecido no n.º 1 do artigo 19.º da LEOAL, bem como a exigência que das declarações dos proponentes resulte, de forma inequívoca, a sua vontade expressa de propor determinados cidadãos como candidatos à eleição em causa, fixada no respetivo n.º 3. A impossibilidade de um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, a órgãos municipais e às assembleias de freguesia do mesmo concelho, assim como de disputar a totalidade dos mandatos da respetiva assembleia municipal, não constitui, contudo, um resultado alinhado (ou alinhá- vel) com esta legítima preocupação. Num caso como no outro, do que se trata não é de reforçar as condições destinadas a assegurar a existência de uma verdadeira dinâmica participativa de base cidadã, mas antes de agravar as condições em que, relativamente aos partidos políticos, os grupos de cidadãos eleitores podem disputar a totalidade dos mandatos dos órgãos autárquicos respeitantes a um mesmo concelho.
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