TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

223 acórdão n.º 247/21 Canotilho e Vital Moreira, Constituição... , ob. cit. , vol. II, p. 721; Jorge Miranda, “Anotação ao artigo 236.º”, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 451). Em consequência, a disputa destes mandatos estaria, por natureza, excluída da eleição para a assembleia municipal, ressalvando-se em todo o caso uma maioria de membros diretamente eleita (artigo 251.º da Constituição). Tal atestaria a conformidade constitucional da opção legislativa de restringir a cada grupo de cidadãos eleitores a legitimidade eleitoral ativa aos órgãos representativos de uma certa área de recensea- mento, não admitindo a candidatura aos mandatos da assembleia municipal que se dirigem, no fundo, a representar outros cidadãos (os recenseados nas outras freguesias) – limitação essa que não existiria no quadro partidário, atento o projeto político territorialmente transversal e perene dos partidos políticos. Todavia, são mais robustos os argumentos no sentido de que a Constituição impõe que a previsão de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores aos órgãos das autarquias locais implica, para o legislador, a obrigação de modelar uma solução normativa que conduza à viabilidade de disputa de todos os mandatos dos órgãos eletivos (assembleia de freguesia, câmara municipal e, também, assembleia municipal). Em primeiro lugar, não é despiciendo que o direito de candidatura por grupos de cidadãos eleitores surja constitucionalmente previsto em estrita igualdade com o direito atribuído aos partidos políticos. A Consti- tuição estabelece que «As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais» – isto é, os órgãos deliberativos e executivos, incluindo a assembleia – «podem ser apresentadas por partidos políticos, isola- damente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei» (n.º 4 do artigo 239.º da Constituição). Neste quadro, a remissão constitucional para o legislador dirige-se à definição das condições da candidatura, mas impondo sempre que esta seja possível com o mesmo âmbito: quer os partidos políticos, quer os grupos de cidadãos eleitores são titulares do mesmo direito de candidatura, sendo constitucional- mente ilegítima a subtração aos grupos de cidadãos eleitores a viabilidade da disputa de alguns dos mandatos. Em segundo lugar, deve notar-se que os mandatos da assembleia municipal cuja candidatura está vedada aos grupos de cidadãos eleitores (os presidentes de junta de freguesia) não deixam de ser cargos eletivos. Com efeito, a integração dos presidentes de junta de freguesia na assembleia municipal (consagrada no artigo 251.º da Constituição) não põe em causa que a assembleia seja um órgão eleito por sufrágio universal (n.º 2 do artigo 239.º da Constituição). Trata-se, outrossim, de uma eleição indireta de certos mandatos, através das eleições para os órgãos da freguesia. Ora, o direito de candidatura a que se refere o n.º 4 do artigo 239.º abrange todos os órgãos autárquicos consagrados nos números anteriores do artigo 239.º (incluindo, pois, os mandatos da assembleia municipal, direta e indiretamente eleitos), cabendo ao legislador a modelação de uma solução que torne possível a candidatura (quer por partidos políticos, quer por grupos de cidadãos eleitores), a todos lugares eletivos na assembleia municipal. Em terceiro lugar, importa sublinhar que os presidentes de junta de freguesia são membros de pleno direito da assembleia municipal, não tendo qualquer diminuição da sua capacidade pelo facto de terem sido indiretamente eleitos. Nessa medida, exercem na assembleia municipal não apenas competências quanto aos assuntos que à sua freguesia digam respeito, mas todas as que são atribuídas às assembleias municipais – quer concernentes ao interesse geral do município, quer atinentes a outras freguesias. Isto assume especial relevância no que concerne ao poder regulamentar, no âmbito do qual se estabelece uma vinculação das autarquias de grau inferior (freguesias) às normas emanadas pelas autarquias de grau superior (município), nos termos do disposto no artigo 241.º da Constituição, sendo certo que, ao nível municipal, é à assembleia municipal que cabe o seu exercício (artigo 25.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei n.º 66/2020, de 4 de novembro). Ora, o poder regulamentar «é uma expressão da autonomia local (autonomia normativa)» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição... , ob. cit. , vol. II, p. 740), sendo mesmo visto como o «cerne da autonomia local» (Acórdão n.º 110/95) por refletir, no plano normativo, a autodeterminação das popula- ções (cfr. Rui Medeiros, “Anotação ao artigo 241.º”, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 484). Neste quadro, o acesso dos grupos de cidadãos eleitores à plenitude dos mandatos da

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