TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

221 acórdão n.º 247/21 Este não é, contudo, o único plano em que o problema da conformidade constitucional das normas impugnadas pode colocar-se. 12. De acordo com a requerente, independentemente da afetação do direito subjetivo dos cidadãos à participação na vida política, sempre teria de concluir-se pela inconstitucionalidade das normas que inte- gram o objeto do pedido com base no incumprimento pelo legislador ordinário da injunção que, no n.º 4 do artigo 239.º, a Constituição lhe dirige, no quadro da organização política do Estado, no sentido de consagrar a plena viabilidade de candidatura dos grupos de cidadãos eleitores aos vários órgãos das autarquias locais. Este segundo nível argumentativo parece ter implícito o entendimento segundo o qual o direito de apresentação de candidaturas a órgãos autárquicos através de grupos de cidadãos eleitores não consubstancia apenas um direito político dos cidadãos que acresce ao direito de sufrágio (Jorge Miranda, “O quadro…”, ob. cit. , p. 181), de exercício coletivo (Jorge Miranda, “Os direitos políticos…”, ob. cit. , p. 616); isto é, que ele comporta também uma refração objetiva, no quadro da organização política do Estado, na medida em que implica o reconhecimento de que os grupos de cidadãos eleitores constituem, senão sujeitos constitucionais (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4.ª edição, 2010, p. 48), pelo menos agentes políticos (Manuel Meirinho Martins, Participação…, ob. cit. , p. 30), sendo-lhes atribuído poder de iniciativa numa atividade político-constitucionalmente relevante – a candidatura a órgãos autárquicos. E que, por isso mesmo, ao remeter para «os termos da lei» a respetiva concretização, a Constituição comete ao legislador a responsabilidade pela definição dos requisitos de candidatura sob condição de assegurar aos grupos de cidadãos eleitores a viabilidade efetiva da candidatura aos órgãos das autarquias locais (Manuel Meirinho Martins, As eleições autárquicas e o poder dos cidadãos, Vega Universidade/Ciências Sociais e Políticas, 1997, p. 52). Por outras palavras: uma vez que, diferentemente do sucede com os partidos políticos, os grupos de cidadãos eleitores constituem uma organização política não permanente, que se esgota numa única eleição (Manuel Meirinho Martins, As eleições…, ob. cit. , p. 220) e apenas subsiste durante os mandatos que nesta consiga fazer eleger (Jorge Miranda, Manual…, ob. cit. , vol. VI, p. 161), a lei pode impor requisitos distintos – e porventura mais exigentes – para as candidaturas de grupos de cidadãos eleitores; mas, na medida em que lhe é constitucionalmente vedada qualquer opção que redunde, direta ou indiretamente, na preclusão da via- bilidade de candidaturas de base cidadã aos órgãos autárquicos, o legislador não pode sujeitar a apresentação dessas candidaturas a pressupostos específicos que comprometam a faculdade de disputarem a totalidade dos mandatos das autarquias locais ou que distorçam as condições de paridade ou simetria em que essa disputa deve ocorrer com os partidos políticos. Sucede que, ao impedirem que um mesmo grupo de cidadãos eleitores (cujos proponentes devem estar todos recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura) some à candidatura que apresente aos órgãos municipais de determinado concelho a candidatura a mais do que uma das suas várias assembleias de freguesia, as normas fiscalizadas produzem ainda um outro efeito: não permitem que o mesmo grupo de cidadãos eleitores se candidate a todos os mandatos da assembleia municipal. 13. Nos termos do disposto no artigo 251.º da Constituição, a assembleia municipal é composta por membros diretamente eleitos e pelos presidentes de junta de freguesia daquele concelho. Dito de outro modo: alguns dos membros da assembleia municipal são eleitos indiretamente, através da eleição para os órgãos representativos das freguesias (Maria José Castanheira Neves, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 66; Manuel Meirinho Martins, As eleições… , ob. cit. , p. 56). Ora, conforme visto já, a solução legal fiscalizada impede que um grupo de cidadãos eleitores se can- didate simultaneamente a várias assembleias de freguesia que integram a área de circunscrição do mesmo município. Sendo certo que o presidente de junta de freguesia é o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia de freguesia (cfr. artigos 239.º, n.º 3, e 246.º da Constituição; artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), torna-se impossível de facto que um grupo de cidadãos eleitores apresente listas de candidatos

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