TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
220 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL forma «complementar o princípio representativo da democracia através do elemento participativo» (Baptista Machado, “Democratização e Neutralidade do Estado na Constituição de 76”, in Participação e Descentrali- zação – Democratização e Neutralidade na Constituição de 76, Almedina, 1976, p. 116). Ora, ao vedarem a um mesmo grupo de cidadãos eleitores a apresentação de candidaturas, simultanea- mente, aos órgãos municipais e a mais do que uma das assembleias de freguesia do mesmo concelho, os n. os 4 a 6 do artigo 19.º da LEOAL, na redação conferida pela Lei n.º 1-A/2020, introduzem uma desigualdade entre candidaturas de base cidadã e candidaturas partidárias na disputa dos mandatos das autarquias locais. É que, enquanto o mesmo partido político pode concorrer aos cargos eletivos de todos os órgãos autárquicos integrados na área geográfica do mesmo concelho – assembleia municipal, câmara municipal e assembleias de freguesia –, sem carecer para isso de subdividir-se ou de fracionar-se em entidades menores, distintas e autónomas entre si, o mesmo grupo de cidadãos eleitores apenas pode, mediante a utilização da mesma denominação, da mesma sigla e do mesmo símbolo, apresentar-se simultaneamente à eleição dos titulares dos órgãos municipais e de uma das várias assembleias de freguesia que integram o mesmo concelho; na hipótese de pretender candidatar-se a outra (ou outras) das assembleias de freguesia da área geográfica desse concelho, não o poderá fazer senão através da fragmentação necessária à constituição de um grupo novo, com diferentes denominação, sigla e símbolo. A desigualdade estabelecida entre candidaturas cidadãs e candidaturas partidárias na eleição dos titula- res dos órgãos das autarquias locais situados na área geográfica de um mesmo concelho projeta-se sobre as condições em que os cidadãos podem tomar parte da vida política da respetiva comunidade local através dos partidos políticos e à margem deles. Se a possibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores disputar simultaneamente a titularidade de todos os órgãos das autarquias locais se encontra limitada, dentro da área geográfica do mesmo concelho, aos órgãos municipais e a apenas uma das suas várias assembleias de freguesia, os cidadãos que nesse movi- mento se revejam e a ele pretendam associar-se através da propositura da candidatura aos cargos eletivos do respetivo município deixam de poder fazê-lo no caso de se encontrarem recenseados numa outra freguesia. E se todos os grupos de cidadãos eleitores constituídos à escala do concelho fizerem a mesma opção eleitoral – isto é, somarem à candidatura que apresentem aos órgãos municipais a candidatura a uma das assembleias de freguesia do mesmo município –, os cidadãos recenseados em freguesia distinta daquela(s) que vier(em) a ser contemplada(s) nessas diversas candidaturas, ficam impedidos de propor qualquer candidatura de base extrapartidária aos órgãos eletivos do respetivo município. Ora, ao negar deste modo a potenciais proponentes de um determinado projeto de candidatura de base cidadã a possibilidade de participarem por essa via – no limite, por qualquer via extrapartidária – na eleição dos titulares dos órgãos do município em cuja área se encontram recenseados, a solução que emerge das alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 1/2020 não apenas condiciona os termos em que os cidadãos podem tomar parte na prossecução dos interesses próprios da respetiva comunidade municipal – finalidade compreendida na própria conceção constitucional da autonomia local (artigo 235.º) –, como restringe a amplitude constitucionalmente atribuída ao direito de participação na vida política (artigo 48.º, n.º 1), na vertente específica correspondente ao direito de apresentação de «candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais», ao lado dos «partidos políticos» e em paridade com eles (artigo 239.º, n.º 4). É por isso que a intervenção mediadora do legislador ordinário expressa nas alterações levadas a cabo pela Lei Orgânica n.º 1/2020, apesar de corresponder, do ponto de vista categorial, à edição de normas pro- cedimentais destinadas à efetivação daquele concreto direito de participação política, representa, em substân- cia, uma ablação parcial do conteúdo que a própria Constituição lhe fixa, quando o concretiza e densifica no âmbito da organização do poder local. É que, à luz do n.º 4 do artigo 239.º, tal direito integra a faculdade de cada cidadão eleitor propor e apresentar candidaturas com a mesma base cidadã a todos os órgãos do poder local que desenvolvem a sua ação na área territorial correspondente à circunscrição em que se encontra recen- seado, o que impede o legislador de vir a concretizá-lo em termos materialmente equivalentes à eliminação do conteúdo remanescente a não ser nas condições previstas no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
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