TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

22 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XXV – A verificação dos pressupostos materiais essenciais de não punibilidade da conduta (os elemen- tos da previsão da norma), estabelecidos no n.º 1 do artigo 2.º depende de um procedimento complexo; na parte em que estabelece os pressupostos da ação causadora ou auxiliadora da morte que tem lugar após procedimento formal de verificação das condições previstas no artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, a causa de exclusão da punibilidade prevista no mesmo Decreto é integrada apenas por elementos descritivos e conceitos determinados, o que coloca o autor material do facto em condições de poder motivar e dirigir a sua atuação; este – que só pode ser um profissional de saúde – dispõe dos meios necessários para orientar a sua conduta de modo a evitar a punibilidade das condutas tipificadas nos artigos 134.º e 135.º do Código Penal, em termos que satisfazem as exigências de determinabilidade, conforme vêm sendo delineadas pela jurisprudência deste Tribunal. XXVI – Estando em causa a proteção do direito à vida, consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constitui- ção e, bem assim, o mínimo imposto pela dignidade humana quanto à liberdade de ação e de autodeterminação pessoal, enquanto dimensão do direito ao desenvolvimento da personalida- de (artigo 26.º, n.º 1, em articulação com o artigo 1.º, ambos da Constituição), dúvidas não restam de que o diploma em análise se situa no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, convocando de modo especialmente intenso – atenta a relevância da matéria para um bem jurídico fundamental como a vida humana e o caráter definitivo e irreversível das decisões que prevê quanto ao mesmo – as exigências de determinabilidade que decorrem do princípio do Estado de direito democrático; exige-se ao legislador, e apenas do legislador, que forneça aos intervenientes no procedimento administrativo que culmina com a emissão do parecer da CVA critérios com um grau de precisão e determinabilidade tal, que viabilize a adoção de decisões fundamentadas, congruentes e sindicáveis.  XXVII – O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto em análise contempla diversos pressupostos (elementos de previsão da norma) cuja formulação não suscita dúvidas – decisão da própria pessoa; maior; vontade atual, reiterada, séria, livre e esclarecida; praticada ou ajudada por profissionais de saúde; mas remete para o médico orientador, para o médico especialista e para os demais inter- venientes no procedimento, com particular destaque para a CVA, a verificação em concreto do preenchimento dos requisitos de situação de sofrimento intolerável, lesão definitiva de gravida- de extrema de acordo com o consenso científico e doença incurável e fatal –, pressupostos que, afinal, e na ótica do próprio legislador, são fundamentais para que se justifique, à luz do dever de proteção da vida humana, a não intervenção punitiva do Estado; o legislador estabelece uma conexão entre estes elementos através do recurso sequencial à preposição  com , seguida da conjunção disjuntiva  ou , tornando claro que o sofrimento intolerável é um pressuposto fun- damental, mas apenas quando conjugado com um dos pressupostos seguidamente enunciados, seja a lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico, seja a doença incurável e fatal; noutras disposições, ainda que de índole procedimental, é possível encontrar referência a outros elementos, que os especialistas intervenientes no procedimento deverão ter em conta na elaboração e fundamentação dos respetivos pareceres, reveladores dos juízos que destes são esperados. XXVIII – A noção de sofrimento, eleito como pressuposto da descriminalização de condutas agora com- preendidas na previsão dos crimes previstos nos artigos 134.º e 135.º do Código Penal, e como

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