TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

219 acórdão n.º 247/21 Ora, daqui decorre que a subscrição das propostas de listas de candidatos às eleições para um determinado órgão autárquico não corresponde a uma mera manifestação de apoio ou concordância com um projeto político de um movimento ou grupo que pretenda concorrer às eleições locais, antes consubstancia a própria escolha, pelos cidadãos eleitores, dos candidatos a apresentar» (itálico aditado). A faculdade de propositura e de apresentação de candidaturas de cidadãos aos órgãos eletivos do poder local integra, assim, a liberdade de participação na vida política por todas as formas previstas na Consti- tuição, a que se refere n.º 1 do artigo 48.º. Tal equivale a dizer que a facultas agendi em que essa liberdade positiva se analisa apresenta, nesta sua vertente específica, um conteúdo concreto e preciso, fixado a nível constitucional. Porém, tal como sucede com as demais dimensões do direito de participação política (vide supra , n.º 7), o direito de propositura de candidaturas de cidadãos de âmbito local não é imediatamente exequível. Para poder efetivar-se, carece, também ele, da intervenção mediadora do legislador, designadamente através da conformação do processo eleitoral para os órgãos do poder autárquico. Simplesmente, porque se trata da efetivação de um direito cujo conteúdo a própria Constituição densifica, a intervenção mediadora do legislador não reveste carácter central ou predominantemente discricionário. Não reveste, desde logo, quanto à iniciativa. Contendo a norma do n.º 4 do artigo 239.º uma verdadeira imposição legiferante, o legislador encontra-se constitucionalmente vinculado a editar a lei complementar necessária à efetivação e concretização do direito de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores aos órgãos eletivos do poder local, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por omissão (vide, a propósito, Acórdão n.º 242/01). E também não reveste quanto à margem de conformação legislativa. A incumbência cometida pela Constituição ao legislador encontra-se perfeitamente definida quanto ao seu sentido e alcance, não lhe dei- xando, prima facie , qualquer margem de liberdade quanto à decisão de concretizar no todo ou apenas em parte o direito de propositura e apresentação, em condições paralelas às dos partidos políticos, de candida- turas cidadãs aos órgãos do poder local. A margem decisória que a Constituição confere à lei na definição das condições de que depende a candidatura dos grupos de cidadãos eleitores diz essencialmente respeito à disciplina reguladora dos aspetos específicos de tal apresentação, tais como a definição do número de cidadãos proponentes exigido para o efeito (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição ... , ob. cit. , vol. I, p. 735) e requisitos de exteriorização desse ato de vontade, não incluindo nem coenvolvendo a inviabilização, direta ou indireta, total ou parcial, da faculdade de propositura e de apresentação de candidaturas de base extrapar- tidária à titularidade dos órgãos das autarquias locais. Uma vez que a facultas agendi que integra o direito a tomar parte na vida política se encontra, neste caso, constitucionalmente concretizada, uma lei que apenas parcialmente o efetive não poderá deixar de corresponder à ablação do seu âmbito restante e esta ablação a uma restrição do conteúdo que, através do n.º 4 do artigo 239.º, a própria Constituição lhe fixa. Sabendo-se que a lei complementar destinada a permitir a efetivação da liberdade de participação polí- tica é aqui a LEOAL, o que importa seguidamente verificar é se o regime que consta do respetivo artigo 19.º constitui, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 1-A/2020, uma concretização parcialmente ablativa – e, por isso, de efeito necessariamente restritivo – do direito de apresentação de candidaturas cidadãs aos órgãos das autarquias locais em paridade com os partidos políticos, tal como conformado pelos artigos 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4, da Constituição; e, na hipótese afirmativa, se podem dar-se por verificados no caso os pressupostos a que, através dos seus artigos 17.º e 18.º, n.º 2, a Constituição sujeita as leis restritivas tanto de direitos, liberdades e garantias, como de direitos fundamentais de natureza análoga. 11. Ao prescrever que «[a]s candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei» (artigo 239.º, n.º 4), a Constituição coloca os grupos de cidadãos eleitores em pé de igualdade com os partidos políticos no acesso às candidaturas para os órgãos das autarquias locais, procurando dessa

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