TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
218 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nos partidos políticos, «tentando capturar», em posição simétrica à destes, «a direção dos órgãos eletivos de âmbito local e assim influenciar de forma determinante o processo de tomada de decisão política, fazendo parte do mesmo» (Manuel Meirinho Martins, Participação política e grupos de cidadãos eleitores, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2003, p. 29). Enquanto mecanismo de aprofundamento da democracia representativa a que se encontra vinculado o Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição), a admissibilidade de candidaturas de grupos de cidadãos eleitores consubstancia, assim, uma outra importante forma de participação política, a par dos partidos políticos, assente na auto-organização dos cidadãos, que proporciona novas modalidades de inter- venção na vida pública (Manuel Meirinho Martins, Participação…, ob. cit. , pp. 33 e 35), contribuindo para a afirmação do status activae civitatis decorrente do princípio democrático. 9. As candidaturas de grupos de cidadãos eleitores encontram-se exclusivamente previstas para os órgãos autárquicos – e não também para os órgãos eletivos de âmbito nacional ou regional. Tal circunstância liga-se à missão constitucionalmente atribuída às autarquias locais, que, de acordo com n.º 2 do artigo 235.º da Constituição, «visam a prossecução dos interesses próprios das populações res- petivas». Neste quadro, a Constituição reforça a autonomia local, permitindo aos residentes das autarquias não só a escolha dos seus representantes, mas também a apresentação de candidaturas pelos indivíduos aí recenseados, à margem dos partidos políticos e em paridade com eles. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma «exceção ao monopólio partidário de apresentação de candidaturas», que tem em vista a «abertura do sis- tema político para a renovação da representação política a nível local», bem como «a dinamização de uma verdadeira participação política e de mobilização cidadã próxima dos cidadãos» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., ob. cit. , vol. II, p. 735). A Constituição reconhece assim que a democracia local não depende somente da circunstância de os órgãos representativos serem eleitos pelas respetivas populações (António Cândido Oliveira, “A difícil demo- cracia local e o contributo do direito”, Estudos em comemoração do 10.º aniversário da licenciatura em direito da Universidade do Minho, Almedina, 2004, p. 99), reforçando a participação democrática dos cidadãos residentes por via da admissibilidade da apresentação de candidaturas por estes. Aceita, deste modo, que a autodeterminação das autarquias pressupõe o envolvimento dos cidadãos nos órgãos eletivos que lhes dizem respeito e a sua implicação na governação das autarquias em cuja área se encontram recenseados e que ambos esses desígnios postulam a criação de condições reforçadas para garantir a liberdade de propositura e de apresentação de candidaturas aos órgãos deliberativo e executivo do município e às assembleias de freguesia. No fundo, trata-se de reconhecer que o monopólio partidário de apresentação de candidaturas aos órgãos eletivos autárquicos não beneficia, antes constrange, a liberdade de cada cidadão tomar parte na vida política local e de participar na tutela dos interesses próprios da sua comunidade – isto é, daqueles que são «comuns aos [aí] residentes, e que se diferenciam dos interesses da coletividade nacional e dos interesses próprios das restantes comunidades locais» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., ob. cit. , vol. II, p. 717). 10. Na dimensão específica traçada a partir do n.º 4 do artigo 239.º da Constituição, o conteúdo do direito de tomar parte na vida política encontra-se constitucionalmente determinado. Trata-se do direito que assiste a cada cidadão de propor e apresentar diretamente, sem intermediação dos partidos políticos e em paridade com eles, candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais. Conforme se afirmou no Acórdão n.º 582/13: «[q]uando a lei vem estabelecer a legitimidade para a apresentação de candidaturas às eleições para os órgãos das autarquias por grupos de cidadãos eleitores [...], confere essa faculdade aos cidadãos eleitores proponentes, que, desta forma, exercem um direito de participação política que lhes é expressamente conferido pela Constituição (artigo 239.°, n.º 4, da CRP).
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=