TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
217 acórdão n.º 247/21 Tal como sucede com maioria dos direitos políticos – como o direito de sufrágio (artigo 49.º) –, a sua concreta efetivação carece da intervenção mediadora do Estado através da realização de prestações tanto fácti- cas como normativas, que assegurem a criação dos instrumentos administrativos e das regras procedimentais necessárias à concretização da liberdade positiva de participação na vida política por todas as formas previstas na Constituição. Para além de vincular o poder público à criação dos pressupostos de facto e de direito necessários à respe- tiva efetivação, o direito consagrado no n.º 1 do artigo 48.º da Constituição encerra ainda, enquanto direito de liberdade, uma dimensão negativa ou defensiva. Surge, nesta aceção, como o direito de cada cidadão a não ser impedido de tomar parte na vida política por qualquer das formas previstas na Constituição, vinculando o Estado a abster-se de eliminar, neutralizar ou restringir a facultas agendi em que o respetivo conteúdo se analisa, através das medidas que em cada momento adote. 8. O direito de participação na vida política é configurado pela Constituição como abrangendo um envolvimento direto ou mediante representação («diretamente ou por intermédio de representantes livre- mente eleitos»). Significa isto que a participação dos cidadãos na vida política compreende o direito a ser ouvido e o direito de voto (Baptista Machado “Participação e descentralização”, in P articipação e Descen- tralização – Democratização e Neutralidade na Constituição de 76, Almedina, 1976, p. 41). Daqui decorre que tal participação há de ser assegurada não apenas na formação da vontade política através do voto, mas, também, por via da liberdade de auto-organização e autodeterminação descentralizada (Baptista Machado, “Participação…”, ob. cit. , p. 76). Em ambas as referidas dimensões, o direito à participação política dos cidadãos concretiza-se, sobretudo, através da representação política, no quadro da democracia representativa (Jorge Miranda, “O quadro de direitos políticos da Constituição”, Estudos sobre a Constituição , vol. I, 1977, p. 178), e esta realiza-se primor- dialmente através dos partidos políticos: «porque o sistema representativo não pode funcionar sem partidos políticos, logo nos princípios fundamentais estes, e não quaisquer outras organizações, são tomados, como meios privilegiados de formação e expressão da vontade popular» (Jorge Miranda, “O quadro…”, ob. cit. , p. 177). Do ponto de vista subjetivo, isso traduz-se no direito de cada cidadão «constituir ou participar em partidos políticos e através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular a organi- zação do poder político», expressamente consagrado, enquanto direito de liberdade, no n.º 1 do artigo 51.º da Constituição. Apesar de ter nos partidos políticos o seu eixo ou vetor principal – tanto que a participação em atos eleitorais constitui para os partidos políticos não apenas um direito, mas também um ónus (cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea c) , da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto) –, o sistema representativo em que assenta a ordem constitucional democrática não se esgota, todavia, neles. Intensificando o nível de concretização do princípio participativo, a Revisão de 1997 veio permitir, através do aditamento ao artigo 239.º da Constituição do seu atual n.º 4, a apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores, em condições de paridade com os partidos políticos, isoladamente ou em coligação, a todos os órgãos das autarquias locais, e não apenas às assembleias de freguesia, como ocorria até então (artigo 246.º, n.º 2, da Constituição, na versão originária). Por força desta alteração na organização do poder político local, o conteúdo do direito de participação na vida política consagrado no n.º 1 do artigo 48.º da Constituição foi em parte densificado, tendo passado a integrar, como sua vertente específica, o direito de propositura e de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores tanto às assembleias de freguesia como aos órgãos eletivos do município. A viabilidade de candidaturas a órgãos autárquicos por grupos de cidadãos eleitores inscreve-se, assim, na liberdade de participação política dos cidadãos, que lhes confere, por expressa determinação da Consti- tuição, a faculdade de disputarem, através de organizações de tipo ocasional, o acesso aos cargos políticos do poder local. Por meio da propositura e da apresentação de candidaturas promovidas por grupos de cidadãos eleitores, estes tomam parte ativa na vida pública da respetiva autarquia por via alternativa à participação
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=