TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
216 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL municipais (câmara municipal e assembleia municipal) e às várias assembleias de freguesia. Assim é porque, exigindo-se que um grupo de cidadãos eleitores tenha de ser apresentado pelos mesmos cidadãos proponen- tes quando pretenda candidatar-se a várias autarquias do mesmo concelho (artigo 19.º, n.º 4) e, ao mesmo tempo, que os cidadãos proponentes se encontrem recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura, torna-se impossível que o mesmo grupo de cidadãos eleitores – com a mesma denominação, a mesma sigla e o mesmo símbolo [artigo 23.º, n.º 4, alínea e) , da LEOAL, na versão resultante da Lei Orgâ- nica n.º 1/2020] – se candidate simultaneamente aos órgãos municipais e a mais do que uma das assembleias de freguesia do mesmo concelho. Dito de outro modo: para que um grupo de cidadãos eleitores se candidate a uma assembleia de fre- guesia, todos os seus proponentes devem estar recenseados na área dessa freguesia (n.º 6 do artigo 19.º da LEOAL); tal circunstância permite-lhe concorrer às eleições para essa assembleia de freguesia, para a assem- bleia municipal e para a câmara municipal – mas não para as demais assembleias de freguesia do mesmo concelho. Assim, se um determinado grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas aos órgãos municipais e à assembleia de uma das freguesias de determinado concelho (tomando como exemplo o concelho de Bar- celos, a uma das suas 61 assembleias de freguesias), os cidadãos eleitores recenseados em qualquer uma das demais freguesias (no caso, em qualquer das restantes 60) ficam impedidos de propor as candidaturas que aquele grupo apresente aos órgãos autárquicos do município. É que, ao apresentar uma lista de candidatos à assembleia da freguesia X, o grupo de eleitores definiu irremediavelmente o universo dos seus possíveis proponentes – que, por força do n.º 6 do artigo 19.º da LEOAL, têm de estar obrigatoriamente recenseados nessa freguesia –, tendo que ser esses – e apenas esses – os proponentes das candidaturas que o mesmo grupo apresente aos órgãos municipais. Do ponto de vista do ato de propositura, daí resulta que os cidadãos eleitores apenas poderão subscrever as candidaturas que um determinado grupo de cidadãos apresente aos órgãos municipais do respetivo con- celho se esse grupo: i) não apresentar lista de candidatos a qualquer uma das assembleias de freguesia desse concelho; ou ii) apresentar lista de candidatos à assembleia de freguesia em que os mesmos se encontram recenseados e somente a esta. Apenas nestes dois casos se verificará a identidade de proponentes exigida no n.º 4 do artigo 19.º da LEOAL para que o grupo de cidadãos possa ser considerado o mesmo. 7. Consagrando o direito fundamental de participação na vida pública, a Constituição estabelece, no n.º 1 do artigo 48.º, que «[t]odos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos». O direito fundamental a tomar parte na vida política constitui, assim, uma das vertentes em que se des- dobra o direito de participação na vida pública, integrando, tal como este, o conjunto dos direitos, liberdades e garantias do indivíduo enquanto cidadão (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 664). Trata-se, portanto, de um direito de cidadania, que se liga à realização da pessoa no quadro do sistema democrático e ao reconhecimento da sua dignidade social (Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, 2.ª edição, Almedina, 2017, pp. 222 e 237), cuja consagração exprime a «transposição para o plano subjetivo do princípio fundamental proclamado nos arti- gos 2.º, 3.º, 9.º, alínea c) , e 10.º, n.º 1» (Jorge Miranda, “Anotação ao artigo 48.º”, Constituição Portuguesa Comentada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 936); isto é, do princípio do Estado de direito democrático, na dimensão que comete ao Estado a tarefa fundamental de assegurar e incentivar a participa- ção democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais [artigo 9.º, alínea c) ] e atribui ao povo, enquanto titular último da soberania (artigo 3.º, n.º 1), o exercício do poder político através do sufrágio universal, do referendo e das demais formas previstas na Constituição (10.º, n.º 1), tendo em vista a realiza- ção da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa (artigo 2.º). Tratando-se de um direito de agir – de tomar parte na vida política –, o direito consagrado no n.º 1 do artigo 48.º não é, no entanto, imediatamente exequível.
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