TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
213 acórdão n.º 247/21 grupo de cidadãos eleitores que se candidate a assembleias de freguesia, caso não possa candidatar-se à assembleia municipal, jamais terá direito a essa subvenção, suportando todos os custos da campanha eleitoral. Uma vez mais, tal se não verifica em relação aos partidos políticos, que, ao poderem apresentar candidaturas, simultaneamente, a todos os órgãos autárquicos, poderão beneficiar da subvenção estatal. 52.º Ainda considerando o regime da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, o desdobramento de um único grupo de cidadãos eleitores em múltiplos grupos formalmente distintos acarreta replicações burocráticas e de encargos diversos próprios da propositura de candidaturas que se afiguram desrazoáveis. E isto tanto do ponto de vista do grupo de cidadãos eleitores – que terão que suportar, múltiplas vezes, todos esses encargos – como do ponto de vista do próprio Estado, pois que com a multiplicação artificial dos grupos de cidadãos eleitores apresentados a sufrágio se estarão a consumir, desnecessariamente, os recursos daquelas entidades que, nos termos da lei, deverão exercer as suas competências de controlo do cumprimento de todas essas regras, incluindo na fase contenciosa. c) Sobre a inexistência de razões de interesse público que justifiquem a alteração legislativa 53.º Como começámos por assinalar ( supra , ponto 18), as duas razões que apresentámos para sustentar a inconstitucionalidade da alteração legislativa que vimos analisando encontram-se estreitamente relacionadas entre si. Mas se em função de cada uma delas, quando analisadas em separado, haverá que concluir que é severamente afetado o direito fundamental de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (artigos 48.º, n.º 1 e 239.º, n.º 4), em função das duas, quando consideradas em conjunto, será manifesta a desproporcio- nalidade existente entre o grau de afetação daquele direito e as razões de interesse público que a poderiam justificar, razões essas que – diga-se desde já – se não vislumbra quais sejam. 54.º O processo legislativo que conduziu à Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto teve a sua origem no Projeto de Lei n.º 226/XIV/l.a, publicado em DAR , II Série A – Número 5 5/XIV/l, de 3 de março de 2020, págs. 31-34, cujo texto inicial viria a ser, subsequentemente alterado e publicado em DAR, II Série A – Número 112/ XIV/l, de 30 de junho de 2020, págs. 23-25. 55.º A «exposição de motivos» do referido Projeto de Lei oferece três razões justificativas para a introdução de, como nele se refere, «alterações cirúrgicas» ao diploma legislativo que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, a saber: (i) prever uma nova inelegibilidade que aumente a transparência na relação entre as autar- quias e os seus fornecedores de serviços, muitas das vezes concretizados por ajuste direto; (ii) clarificar na lei que os grupos de cidadãos eleitores se não devem confundir com os partidos políticos; (iii) proceder à revogação do artigo que se refere ao cartão de eleitor, dadas as alterações promovidas no recenseamento eleitoral pela Lei n.º 47/2018, de 13 de agosto. Relativamente às alterações introduzidas aos artigos 19.º e 23.°, da LEOAL, as mesmas recondu- zem-se, portanto, à justificação identificada em segundo lugar. 56.º Desde logo, deve observar-se que as alterações introduzidas aos artigos 19.º, da LEOAL, não podem de todo em todo ser qualificadas como meras alterações cirúrgicas ao edifício legislativo relativo à eleição dos titulares de órgãos das autarquias locais, tendo, bem pelo contrário, como já tivemos oportunidade de demonstrar, implica- ções sistémicas não-irrelevantes, de natureza jurídico-constitucional. 57.º Quanto à razão justificativa oferecida na «exposição de motivos» do Projeto de Lei, e assente na necessi- dade de clarificação da distinção essencial entre partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores, a verdade é que se não vislumbra em que medida é que o novo regime contribuirá para tal clarificação. 58.º Nenhuma dúvida há que os grupos de cidadãos eleitores se não confundem com os partidos políticos, estando aliás essa distinção essencial bem patente nos diferentes regimes jurídicos que se aplicam a uns e a outros. É evidente que as exigências constitucionais e legais aplicáveis à constituição de partidos políticos, designada- mente no que se refere à sua vocação nacional (artigo 51.º, n.º 4, da Constituição), em nada relevam para efeitos do regime aplicável aos grupos de cidadãos eleitores. A materialidade subjacente aos grupos de cidadãos eleitores em nada se confunde com o carácter tendencialmente perene dos partidos políticos. Aqueles constituem-se no momento e com o propósito de concorrerem a uma determinada eleição, esgotando-se no ato eleitoral. 59.º Assim sendo, não se vê de que modo é que o novo regime poderá contribuir para acentuar esta distinção essencial, já decorrente, antes dele, da Constituição e da lei. Bem pelo contrário. Na verdade, os obstáculos agora
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