TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

211 acórdão n.º 247/21 30.º A explicação para a exceção estabelecida no n.º 5 do artigo 19.°, da LEOAL, nos termos da qual se permite a um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, à assembleia municipal e à câmara municipal estaria precisamente aí: serem ambos órgãos de uma mesma autarquia local. 31.º No entanto, justamente porque se trata de atos eleitorais diferentes, respeitantes a autarquias locais dis- tintas, é que não tem qualquer sentido limitar a possibilidade de um cidadão ser simultaneamente proponente de candidaturas a órgãos de uma e de outra (ao contrário, por exemplo, da limitação decorrente do artigo 16.º, n.º 3, da LEOAL, que se compreende por estar em causa a candidatura ao mesmo órgão autárquico e cujo incumpri- mento passou, agora, a assumir relevância criminal). 32.º Sobretudo se considerarmos que, atendendo à parcial coincidência entre a área de circunscrição territorial de cada freguesia e a área de circunscrição territorial do município, o cidadão se identifica tanto com a freguesia como com o município, relativamente a ambos formando um sentimento de pertença comunitária. 33.º Assim, faz sentido que o mesmo cidadão eleitor possa ser, simultaneamente, proponente de candidaturas aos órgãos do município e à assembleia de freguesia apresentadas pelo mesmo grupo de cidadãos eleitores, como também faz sentido que cidadãos recenseados em outras freguesias possam ser igualmente proponentes da candi- datura apresentada por esse mesmo grupo de cidadãos eleitores aos órgãos municipais. 34.º Não só tal faz sentido como a limitação dessa possibilidade consubstancia uma restrição desproporcio- nal – por inexistir qualquer razão de interesse público que a fundamente ou necessidade de salvaguardar qualquer valor constitucional (seguramente que tal não é reclamado pelo princípio da descentralização administrativa), – do direito dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (artigos 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4, da Constituição), em violação do disposto no artigo 18.°, n.º 2, da Constituição da República. 35.º O elo de ligação entre a freguesia e o município não é apenas um dado da experiência comum – o senti- mento de pertença comunitária –, antes resulta, inequivocamente, do próprio enquadramento jurídico das autar- quias locais (Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que aprova o regime jurídico das autarquias locais). 36.º Desde logo, nos termos do disposto no artigo 2.º desse diploma, «constituem atribuições das autarquias locais a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações», exercendo os respetivos órgãos competências de consulta, de planeamento, de investimento, de gestão, de licenciamento e controlo prévio e de fiscalização (artigo 3.º). 37.º Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 4.º, «a prossecução das atribuições e o exercício das com- petências das autarquias locais [...] devem respeitar os princípios da descentralização administrativa, da subsidia- riedade, da complementaridade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos e a intangibilidade das atribuições do Estado». 38.º Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 7.º desse diploma, «constituem atribuições da freguesia a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com o município » (itálico nosso). 39.º Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º desse diploma, «constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com as freguesias» (itálico nosso). 40.º Tal significa que existe uma articulação e complementaridade entre as atribuições da freguesia e do muni- cípio, legalmente estabelecidas, bem como entre as competências dos respetivos órgãos, da perspetiva da promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações. Tal articulação, de resto, assume dignidade cons- titucional no próprio plano de composição dos respetivos órgãos representativos (artigo 251.º da Constituição). 41.º Além disso, existe uma articulação e complementaridade na relação, horizontal, das várias freguesias (no todo ou em parte) entre si. 42.º Ora, compreendendo a circunscrição territorial do município a circunscrição territorial de várias fre- guesias, carece de qualquer fundamento, dada a comunidade de interesses prosseguidos pelo município e pelas freguesias, impedir que o mesmo grupo de cidadãos eleitores, qua tale , que se candidate a órgãos municipais, simultaneamente, se candidate a cada uma das assembleias de freguesia do mesmo concelho.

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