TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
210 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL como a identificação dos candidatos e dos mandatários, omitindo-se qualquer referência aos proponentes (artigo 23.º, n.º 2, da LEOAL). 21.º Independentemente dessa antinomia intrínseca ao próprio regime legal, a impossibilidade legal de um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, a órgãos municipais e às assembleias de freguesia do mesmo concelho assume uma natureza jurídico-constitucional, pois vem afetar gravemente o grau de envolvimento dos cidadãos na promoção e salvaguarda dos seus interesses 22.º E que, face à atomização forçada de um mesmo grupo de cidadãos em múltiplos grupos para os efeitos da lei, os cidadãos interessados que, por naquele se reverem, pretendam envolver-se nesse movimento de participação cidadã, constituído no momento e com o propósito de concorrer a uma determinada eleição, deixam de poder fazê-lo de forma unitária e transversal no âmbito do concelho. 23.º Ou seja, aquilo que, à primeira vista, seria apenas uma exigência de natureza formal, acaba por ter, efeti- vamente, um impacto material. O legislador, ao excluir deste modo potenciais proponentes do um determinado projeto de candidatura, condiciona fortemente as dinâmicas de constituição dos grupos de cidadãos eleitores, limitando o conteúdo das suas mensagens, a escolha dos temas a eleger, a definição das prioridades políticas e da estratégia eleitoral a seguir, e, finalmente, o próprio envolvimento dos cidadãos na propositura de candidaturas, com a consequente mobilização do eleitorado por ocasião de uma dada eleição. Assim, em lugar de procurar asse- gurar a abertura do sistema representativo a nível local, e de permitir a dinamização de uma verdadeira participação próxima dos cidadãos ( supra , ponto 7), com a alteração legislativa agora introduzida retrocede-se relativamente a algo que, em 1997, foi uma decisão fundamental do legislador de revisão constitucional. 24.º Sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) , do n.º 3, do artigo 7.º, da LEOAL, a impossibilidade legal decorrente do n.º 4 do seu artigo 19.° não deixa de afetar também, ainda que indiretamente, a própria possibi- lidade de os cidadãos integrarem listas, enquanto candidatos aos órgãos autárquicos por um determinado grupo de cidadãos eleitores, retirando escala a esse movimento e, desse modo, objetivamente condicionando o direito fundamental de acesso aos cargos públicos (artigo 50.º, n.º 1, da Constituição). 25.º Também da perspetiva do eleitor se torna impossível associar cada um dos grupos de cidadãos – que, formalmente, terão que ser distintos – a um mesmo denominador comum: um único movimento, com uma iden- tidade própria, com a mesma génese e base de apoio. 26.º Isto é assim não apenas por deverem ser distintos os símbolos e as siglas de diferentes grupos de cidadãos eleitores [artigo 23.°, n.º 4, alínea e) , da LEOAL] – distinção essa que, de resto, é artificial e potencialmente indu- tora do eleitor em erro, nada contribuindo para o esclarecimento e para a formação da sua decisão no ato de votar –, mas, essencialmente, por se subtrair ao campo de atuação de um mesmo grupo de cidadãos eleitores toda a ação política que pressuponha a articulação entre o município e a freguesia ou entre as freguesias (todas ou parte delas) entre si. 27.º Tal significa que, a um aumento, do ponto de vista quantitativo, de grupos de cidadãos eleitores apresen- tados a sufrágio, não corresponde, na realidade, e do ponto de vista qualitativo, uma diversificação da escolha polí- tica. Pelo contrário: ao retirar-se escala a um mesmo grupo de cidadãos [eleitores] está-se a estreitar e a empobrecer as possibilidades de escolha dos eleitores relativamente aos seus representantes nos diversos órgãos autárquicos. Tal não deixa, só por si, de representar uma afetação dos direitos de participação política, através do voto – e de um voto esclarecido –, dos cidadãos (artigo 48.°, n.º 1, da Constituição). 28.º O único argumento que, em tese, se poderia alegar para justificar a solução agora encontrada pelo legis- lador seria o de nas eleições para os órgãos das autarquias locais se estar, em rigor, perante atos eleitorais distintos, tratando-se de eleger titulares para dois órgãos de cada município (assembleia municipal e câmara municipal) e para um órgão de cada freguesia (assembleia de freguesia). 29.º Além disso – acrescentar-se-ia ainda a este argumento – dever-se-ia realçar que entre freguesia e município não existe qualquer relação de subordinação, dependência ou hierarquia, tratando-se, nos termos da Constituição, de diferentes categorias de autarquias locais (artigo 236.º, n. os 1 e 2), cada uma delas com órgãos representativos próprios, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa (artigos 235.º, n.º 2, 237.º, n.º 1 e 239.º, n. os 1 e 2).
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