TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

21 acórdão n.º 123/21 dirigir e conformar as condutas dos seus destinatários; o que cumpre avaliar é o próprio conteúdo normativo do preceito em causa à luz das exigências constitucionais, nomeadamente aquelas que decorrem do princípio da determinabilidade das leis, enquanto corolário do princípio do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar; o que está em causa é a distribuição de tarefas entre o autor da norma e aquele que a tem de aplicar ou executar. XXII – Em relação ao princípio da legalidade criminal, é muito duvidoso que o mesmo pudesse conce- der respaldo seguro para qualquer juízo de censura constitucional quanto às normas do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV; enquanto garantia pessoal de não punição fora do âmbito de uma lei escrita, prévia, certa e estrita, o princípio da legalidade criminal opera como um princípio defensivo, dirigindo-se a exigência de lei certa direta e centralmente à lei que cria ou agrava res- ponsabilidade criminal, podendo tal exigência, inversamente, não encontrar rigorosa simetria no domínio da descriminalização ou da atenuação da mesma responsabilidade; ora, está em causa uma medida legislativa que restringe ou limita a responsabilidade jurídico-penal e que, portanto, se situa fora do âmbito nuclear próprio do princípio da legalidade da intervenção penal do Estado; a indeterminação conceitual, quando aplicada a qualquer condição de exclusão da responsabili- dade jurídico-penal, tende a alargar – e não a restringir – as possibilidades de, em concreto, um comportamento não ser punido e, nessa medida, agirá, em regra, a favor de uma maior proteção dos cidadãos contra a atuação punitiva do Estado – ainda que aja em prejuízo da tutela penal dos bens jurídicos em questão. XXIII – Se a indeterminação conceitual criticada pelo requerente deve ser censurada, não na medida em que desprotege os destinatários da norma incriminadora – isto é, por aquilo em que compromete a possibilidade de compreensão e controlo pelos potenciais agentes do crime do desvalor que con- tinua a expressar-se no tipo legal –, mas, primacialmente, os bens jurídicos que nela se tutelam, então o juízo reclamará a convocação do princípio da determinabilidade das leis – não já (ou, pelo menos, principalmente) enquanto dimensão do princípio consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, mas como corolário do princípio do Estado de direito democrático, e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa, por referência ao direito à vida consagrado no artigo 24.º do mesmo normativo (interpretado, segundo o requerente, de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana). XXIV – O Decreto em apreço propõe que sejam introduzidos preceitos no Código Penal que determinem a não punibilidade de condutas, por remissão para as condições estabelecidas na Lei a que viria a dar origem; não se vê que um destinatário minimamente diligente venha a ser induzido em erro quanto à interpretação dos preceitos em questão: a remissão introduzida no n.º 3 do artigo 134.º e no n.º 3 do artigo 135.º deve ter-se por feita para todo o conjunto, articulado e complexo, de con- dições materiais, procedimentais e formais estabelecidas no Decreto n.º 109/XIV; seja enquanto pressuposto de exclusão da tipicidade da conduta, com base no seu diferenciado significado social, seja enquanto condição da eficácia do consentimento, no plano da exclusão da ilicitude a caracte- rização da situação clínica daquele que formula o pedido de antecipação de morte medicamente assistida constitui um dos requisitos de que depende o afastamento da responsabilidade criminal, que de outra forma impenderia sobre os profissionais de saúde intervenientes no procedimento, encontrando-se tais requisitos sujeitos a um procedimento formal de averiguação, que culmina no parecer da CVA.

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