TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
208 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 5.º Tal significa que a definição pelo legislador do processo eleitoral para os órgãos das autarquias locais, no que respeita à apresentação de candidaturas pelos grupos de cidadãos eleitores, está sujeita ao regime dos direitos, liberdades e garantias, designadamente à exigência de que as soluções encontradas pelo legislador na conformação do regime legal observem o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2). 6.º A natureza jusfundamental da candidatura cidadã às eleições para os órgãos das autarquias locais é subli- nhada na jurisprudência constitucional. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 582/13, de 16 de setembro, afirma-se que «[quando a lei vem estabelecer a legitimidade para a apresentação de candidaturas às eleições para os órgãos das autarquias por grupos de cidadãos eleitores [...], confere essa faculdade aos cidadãos eleitores pro- ponentes, que, desta forma, exercem um direito de participação política que lhes é expressamente conferido pela Constituição (artigo 239.°, n.º 4, da CRP)». 7.º Assim, à luz do artigo 239.°, n.º 4, da Constituição, jamais pode o legislador, ao regular o processo eleitoral dos titulares dos órgãos das autarquias locais, desvirtuar a opção constitucional fundamental, tomada em sede de revisão constitucional, de procurar abertura do sistema político para a renovação da representação política a nível local e de permitir a dinamização de uma verdadeira participação política e de mobilização próxima dos cidadãos (essa dupla finalidade é assinalada por Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, 4.a edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 735). 8.º A tal entendimento não obsta o inciso final do n.º 4 do artigo 239.°, na parte em que reserva ao legislador a regulação das candidaturas apresentadas por grupos de cidadãos eleitores para as eleições dos órgãos das autarquias locais. Como escrevem Gomes Canotilho / Vital Moreira (cit., pág. 735), «a remissão para a lei – nos termos da lei – destina-se fundamentalmente a definir o número exigido de cidadãos proponentes no que se refere a candida- turas de grupos de cidadãos e o regime de candidatura de coligação partidárias [...]». Ou seja, não pode o legislador introduzir alterações de natureza substancial, que injustificadamente venham restringir um direito fundamental de participação política. 9.º Além da sua dimensão eminentemente subjetiva, conferindo expressamente aos cidadãos um direito de participação política, o artigo 239.º, n.º 4, contém igualmente uma dimensão objetiva, conformando o modo como, ao nível das autarquias locais – expressão, reitera-se, da organização democrática do Estado (artigo 235.°, n.º 1) –, se deve realizar aquele que é um dos princípios estruturantes de toda a ordem constitucional: o princípio democrático (artigo 2.°). II. Da violação do direito dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (artigos 48.º, n.º 1 e 239.º, n.º 4 da Constituição) 10.º Com a alteração introduzida pelo artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto, ao n.º 4 do artigo 19.° da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais [doravante: LEOAL], passou a ser vedado a um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, a órgãos municipais e às assembleias de freguesia do mesmo concelho. 11.º Assim é, porque, nos termos dessa disposição, ao considerar-se distintos os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes, mesmo que apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho, a lei passou a exigir, para que um mesmo grupo de cidadãos eleitores possa apresentar candidaturas para as eleições dos órgãos autárquicos, que a lista de proponentes seja exatamente idêntica na candidatura apresentada a cada um desses órgãos. 12.º Ora, por força do disposto no n.º 6 do artigo 19.°, da LEOAL, os proponentes devem fazer prova de recenseamento na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura, pelo que a condição estabelecida no n.º 4 desse preceito legal – para que um grupo de cidadãos eleitores que apresente candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho não seja considerado «distinto» de todos os outros – é, na esmagadora maioria dos caos, obje- tivamente impossível de cumprir.
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