TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
200 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (vide ponto 12), por via da mesma, e da lesão do princípio da verdade material que envolve, pode uma pessoa que não seja agente da contraordenação ser por ela responsabilizada. Mas a norma não comporta, nem implica, desligada desse efeito (possível), uma censura de culpa des- provida de qualquer conexão do sujeito com o facto ilícito, sem comprovação do caráter censurável da con- duta, ou que dispense a imputação a título de dolo ou negligência. Permanece o nexo com o domínio do veículo que circulou em infraestrutura rodoviária sem que fosse efetuado o pagamento da correspondente portagem que emana da respetiva titularidade. Não se está, assim, em rigor, perante uma norma ( rectius , um sistema normativo) que preveja uma pura responsabilidade objetiva no domínio das contraordenações. – Fernando Ventura. DECLARAÇÃO DE VOTO Voto a decisão e a respetiva fundamentação, exceto no respeitante à violação do princípio da culpa (cfr. o n.º 7 do Acórdão e a referência ao artigo 2.º da Constituição no dispositivo), porquanto, em meu entender, existe uma conexão (objetiva e cocausal) suficiente entre a titularidade do documento de identificação do veículo e o não pagamento de taxas de portagem em infraestruturas rodoviárias, sempre que não seja possível identificar o condutor do veículo no momento da prática de tal contraordenação, justificativa da presunção de responsabilidade – e consequente possível transmissão da mesma – para as pessoas referidas no n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, nas condições aí previstas. O artigo 118.º do Código da Estrada disciplina a matéria atinente à identificação dos veículos e à res- ponsabilidade pela sua circulação (cfr. os seus n. os 1 e 2). As pessoas que em cada momento são responsáveis por tal circulação devem poder ser identificadas pela autoridade competente para a matrícula, razão por que, tanto o adquirente ou a pessoa a favor de quem seja constituído direito que confira a titularidade do docu- mento de identificação do veículo, como o vendedor ou a pessoa que, a qualquer título jurídico, transfira para outrem a titularidade de direito sobre o veículo, têm o dever – cujo incumprimento é sancionado com coima – de comunicar tal facto à citada autoridade (cfr. os n. os 3, 4 e 10 do mencionado artigo 118.º). Compreende-se, assim, que, relativamente às infrações que respeitem ao exercício da condução, embora a responsabilidade recaia em princípio sobre o condutor do veículo, não sendo possível identificá-lo, seja responsável por tais infrações o titular do documento de identificação do veículo, a menos que tenha ocor- rido uma utilização abusiva [cfr. o artigo 135.º, n. os 3, alíneas b) e c) , e 4, do Código da Estrada]. A projeção processual de tal responsabilidade contraordenacional dá-se nos termos do artigo 171.º, n. os 2, 3 e 4, do mesmo Código. Com efeito, na ausência de uma utilização abusiva, aquele titular tem a obrigação de saber quem conduz o veículo que se encontra matriculado em seu nome e por cuja circulação ele é responsável. A lógica subjacente à presunção de responsabilidade do artigo 10.º, n.º 3, da Lei n.º 25/2006 é idêntica e assenta no mesmo tipo de razões e preocupações. Por isso, também não se me afiguram exatas as afirmações feitas no Acórdão, designadamente nos seus n. os 12 («responsabilização de quem pode não ter tido qualquer participação, conexão ou aproveitamento pessoal dos factos») e 13 («as normas de responsabilidade em infrações rodoviárias […] preveem uma responsabilidade meramente subsidiária do titular do documento de identificação do veículo»). O caráter inilidível da aludida presunção suscita problemas constitucionais, sim, mas à luz dos parâme- tros analisados nos n. os 14, 15 e 16 do Acórdão. – Pedro Machete. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, com a qual concordo. Porém, afasto-me da fundamentação constante dos pontos 8 a 13 do Acórdão, por entender que a norma em causa tem uma dimensão quase exclusivamente processual
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