TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dimensão objetiva do direito à vida consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, a imposição de adotar um sistema legal de proteção orientado para a vida; é seguro que na ordem constitucional portuguesa o apoio de terceiros à morte, mesmo que autodeterminada, não representa um interesse constitucional positivo, salvo na medida em que esteja em causa a dignidade de quem, pretende (ser auxiliado a) morrer, isto é, a sua atuação como sujeito autorresponsável pelo seu próprio destino num momento já próximo do final; trata-se de casos em que uma proibição absoluta da antecipação da morte com apoio de terceiros determinaria a redução da pessoa que pretende morrer, mas não consegue concretizar essa intenção sem ajuda, a um mero objeto de tratamentos verdadeiramente não desejados ou, em alternativa, a sua condenação a um sofrimento sem sentido face ao desfecho inevitável. XIX – Não está em causa uma escolha entre a vida e a morte, mas, mais rigorosamente, a possibilitação da escolha entre diferentes modos de morrer: nomeadamente, um processo de morte longo e sofri- do  versus uma morte rápida e tranquila; o dever de proteção da vida (e, bem assim, da autonomia) de quem pretende antecipar a sua morte por se encontrar doente, numa situação de grande sofri- mento e sem perspetivas de recuperação, impõe uma disciplina rigorosa quanto às situações – os casos típicos – que justificam, segundo a opção legislativa, o acesso à morte medicamente assistida e garantias procedimentais robustas e adequadas a salvaguardar a liberdade e o esclarecimento do paciente e, outrossim, a assegurarem o controlo da verificação concreta dos casos previstos; só desse modo se cumprem as exigências de certeza e de segurança jurídica próprias de um Estado de direito democrático, garantidoras de que a antecipação da morte medicamente assistida se contém dentro dos limites que a justificam constitucionalmente, face ao dever de proteção decorrente da inviolabilidade da vida humana: a salvaguarda do núcleo de autonomia inerente à dignidade de cada um, enquanto sujeito, ou seja, um ser autodeterminado e autorresponsável; as situações em que a antecipação da morte medicamente assistida é possível têm, por isso, de ser claras, ante- cipáveis e controláveis desde o momento em que aquela prática se encontre estabelecida nor- mativamente, devendo o procedimento assegurar a determinabilidade controlável das inevitáveis indeterminações conceituais, incumbindo ao legislador, por esta via, prevenir a possibilidade de indesejáveis e imprevistas “rampas deslizantes”. XX – A antecipação da morte medicamente assistida não punível prevista no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto só pode ocorrer na sequência de um procedimento clínico e legal formalizado em que intervém com poder autorizativo a CVA, pelo que a não punibilidade prevista nos novos n. os 3 aditados aos artigos 134.º e 135.º do Código Penal pelo artigo 27.º do Decreto n.º 109/XIV deve ser apreciada em fun- ção das condições previstas no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo normativo para a emissão dos pareceres e não inversamente, e por referência aos parâmetros constitucionais aplicáveis às normas discipli- nadoras da atividade restritiva ou reguladora de direitos fundamentais, e não à luz dos parâmetros aplicáveis às regras de definição, positiva mas também negativa, dos crimes – e que também integra a reserva de lei formal. XXI – No que se refere especificamente à invocação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, está em causa a proibição de a lei abrir a disciplina normativa que constitui o seu conteúdo à intervenção modifica- tiva de atos (normativos) que não tenham natureza legislativa e, portanto, desprovidos da força de lei formal positiva; diferentemente, o problema colocado pelo requerente respeita à segurança e certeza na aplicação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, ou seja, à capacidade prescritiva da norma contida nesse preceito, isto é, à sua força normativa entendida como suscetibilidade de efetivamente

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