TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

197 acórdão n.º 172/21 Ora, também no que toca ao respeito pelo princípio do contraditório – que em processo jurisdicional de impugnação de medida sancionatória assume a relevância de um verdadeiro direito de defesa – ele não se basta com a simples garantia de audição ou de apresentação de provas. O direito do contraditório e da defesa exigem que as partes não só tenham direito a apresentar razões, oferecer provas e tomar posição sobre as provas do adversário, mas ainda que, através desses meios, possam exercer uma influência efetiva na deci- são. Um princípio do contraditório que se baste com um momento processual formal de audição, sem que o mesmo possa ter qualquer relevância para a decisão, não garante materialmente que as posições das partes sejam efetivamente consideradas pelo decisor. Neste sentido, importa referir novamente o Acórdão n.º 135/09, em que o Tribunal Constitucional considerou que o critério normativo segundo o qual o pagamento voluntário da coima por contraordenação rodoviária impossibilitava ao arguido a possibilidade de discutir em tribunal a própria existência da infração não respeitava os requisitos constitucionais do acesso aos tribunais para tutela efetiva de direitos e interesses legalmente reconhecidos, através de um processo equitativo. Considerou-se, aí, precisamente, que a norma contraordenacional em causa previa uma presunção inilidível que punha em cheque a própria efetividade da tutela jurisdicional e as exigências de um processo equitativo. O Tribunal concluiu, em suma, que o critério normativo questionado não poderia deixar de ser encarado como representando uma verdadeira impossibi- lidade de impugnação do ato administrativo. Neste contexto, também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem afirmou já que o princípio do contraditório, decorrente do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, implica a faculdade de as partes discutirem quaisquer elementos ou observações apresentadas ao juiz, ainda que por outra auto- ridade pública, tendo em vista influenciar a sua decisão (acórdão de 20 de fevereiro de 1996, Lobo Machado c. Portugal, queixa n.º 15764/89, § 31). De outra perspetiva, o Tribunal Constitucional já afirmou que a tutela jurisdicional efetiva pressupõe um contencioso de âmbito pleno, em que não só as partes devem ser admitidas a invocar factos relevantes e trazer meios de prova para sustentar as suas pretensões, como ainda deve ser garantido ao Tribunal o poder efetivo de conhecer e ponderar esses factos e meios de prova. Trata-se da contrapartida do referido direito ao contraditório com o sentido material de “poder influenciar a decisão”. Nesse sentido, atente-se ao que têm afirmado diversos arestos (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 429/89 e 8/99) e a mais relevante doutrina: “o artigo 269.º, n.º 2 (atual artigo 268.º, n.º 4), da Constitui- ção, pode e deve ser interpretado como estabelecendo uma garantia completa de recurso, quer dizer, uma garantia que assegura aos particulares a possibilidade de impugnarem judicialmente todos os atos singu- lares e concretos da Administração Pública que produzam efeitos jurídicos externos e sejam suscetíveis, portanto, de lesar os seus direitos”, pelo que “quaisquer normas legais que excluam esta possibilidade de impugnação relativamente a certos atos ou a certas categorias de atos administrativos ou que restrinjam os possíveis fundamentos de tal impugnação apenas a alguns dos vícios suscetíveis de gerar a antijuridicidade desses atos, têm de ser havidas como inconstitucionais, e, por via de consequência, como inteiramente irrelevantes” (José Manuel Cardoso da Costa, “A tutela dos direitos fundamentais”, in Boletim do Minis- tério da Justiça – Documentação e Direito Comparado , n.º 5, 1981, p. 209). Ou, na formulação de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira: “A garantia constitucional do recurso impede a isenção contenciosa de certos atos, ou partes de atos, ou a exclusão do conhecimento de certos vícios, de modo a conferir direito à impugnação contenciosa de todos os atos em todos os aspetos juridicamente vinculados” ( Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, p. 938). Ora o entendimento amplo do direito à tutela jurisdicional efetiva acabado de expor não é minima- mente satisfeita na norma objeto do presente recurso. Entender a norma contida no n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, no sentido de estabelecer uma presunção inilidível, independentemente da prova que sobre a autoria for feita mesmo em processo judicial, não permite ao arguido poder, através do recurso jurisdicional, alterar a decisão administrativa que foi tomada sobre a autoria do ilícito, através de prova que a invalide, nem permite ao tribunal conhecer desta última. Não se permite, em suma, exercício

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