TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL reforço das garantias do particular a quem é imputada determinada infração e seria incongruente introduzir nela alguma modulação que não fosse no sentido do acréscimo daquelas mesmas particulares garantias que a Constituição expressamente consagrou neste domínio”. O Acórdão referido referiu, inclusivamente, que esta “matéria é precisamente daquelas em que mais proximidade entre os dois ordenamentos processuais deverá existir”, reportando-se às garantias do processo criminal e contraordenacional. No entanto, em Acórdãos posteriores, o Tribunal Constitucional já veio considerar que a sede adequada da análise da eventual violação de direitos de defesa em processo jurisdicional se situava no contexto do respeito pelas garantias consagradas nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP. Assim se afirmou no Acórdão n.º 135/09, que considerou ser “des- cabida a invocação, para esta fase, do disposto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP”. 15. Seguindo a jurisprudência mais recente importa, pois, confrontar a norma em presença com o direito de impugnação de decisões sancionatórias perante os tribunais – direito que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. De facto, na sequência da impugnação perante os tribunais de decisões administrativas, os proces- sos contraordenacionais entram na “fase jurisdicional”, gozando os arguidos, aí impugnantes, das genéri- cas garantias constitucionais dos processos judiciais, quer diretamente referidas no artigo 20.º (garantia de processo equitativo), quer ainda, mais especificamente, no artigo 268.º, n.º 4 (garantia aos administrados da tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos). Foi neste quadro que o Acórdão n.º 135/09 do Tribunal Constitucional julgou inconstitucional o critério normativo segundo o qual o pagamento voluntário da coima por contraordenação rodoviária impossibilita o arguido de discutir em tribunal a própria existência da infração. Pode ler-se em tal aresto que o direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias em causa se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. Mais acrescenta que “não se ignorando que serão menos intensas as preocupações garantísticas em processos contraordenacionais em comparação com o processo criminal (cfr. Acórdãos n. os 269/87 e 313/07), aquelas não podem, contudo, ser de tal modo desvalorizadas que ponham em cheque a própria efetividade da tutela jurisdicional e as exigências de um processo equitativo”. Volvendo ao caso presente, importa saber se viola tais garantias a norma objeto do presente recurso, tal como foi interpretada pelo tribunal recorrido, no sentido de não permitir ao arguido em recurso de impug- nação judicial da decisão administrativa sancionatória ilidir a presunção de responsabilidade. Afirmou, neste contexto, o Acórdão n.º 612/14, que, em processos contraordenacionais, o direito de acesso aos tribunais, satisfaz-se com a possibilidade, exercida pelo recorrente nos autos, de impugnar judicial- mente a decisão administrativa que lhe aplicou a coima, tal como especialmente garantido à generalidade dos administrados em face de atos administrativos que os lesem (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição). Poderia dizer-se que a garantia assim referida não é posta em causa pela norma objeto do presente recurso, já que ela não veda, em si, a possibilidade de se impugnar judicialmente a decisão administrativa – a qual, aliás, foi exercida no caso em presença. Mas, quer o direito de acesso a uma impugnação judicial de decisões administrativas que se queira efetiva, quer o próprio direito de acesso aos tribunais em geral – o qual reclama expressamente uma tutela jurisdicional efetiva – não se bastam com a simples garantia formal de acesso aos tribunais por parte dos administrados. De facto, da consagração do direito à tutela jurisdicional efetiva derivam vários corolários que se repercutem em exigências materiais que devem enformar a específica modelação dos processos e os direitos das partes. Um deles é o direito de defesa e do contraditório. Este direito pressupõe que cada uma das partes possa expor as suas razões perante o tribunal em condições que a não desfavoreçam em relação à parte contrária (Acórdão n.º 1193/96), e que, antes de o juiz decidir, cada uma delas possa expor as suas razões e apresentar provas que sustentem a sua pretensão, não podendo haver decisão sem que as mesmas tenham tido oportu- nidade de serem ouvidas sobre a matéria (Acórdão n.º 582/00).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=