TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

194 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Porém, nos casos de transmissão da responsabilidade já anteriormente analisados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, pré-existia uma conexão objetiva entre o sujeito passivo responsável pela contraor- denação e os sujeitos responsáveis pelo pagamento da coima, fosse ela uma conexão orgânica ou contratual, tendo sido, no âmbito da atividade desenvolvida pelo organismo em causa ou à qual se destinava o contrato, que foi praticada a contraordenação. Referiu-se, para o efeito, no acima citado Acórdão n.º 201/14: “Dada a conexão objetivamente existente entre o sujeito passivo responsável pela contraordenação e os sujeitos que, nos termos da norma sub judicio , ficam responsáveis pelo pagamento da coima, não se afigura que a com- pressão do princípio da proibição de transmissão da responsabilidade se aproxime sequer do seu núcleo”. Por outro lado, no que ao conceito amplo de autoria respeita, tal conceito assenta ainda numa exigência causal, apenas podendo ser considerado autor de uma contraordenação quem tiver, no mínimo, contribuído para a realização do tipo, tendo dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito. Daqui podemos retirar um conteúdo mínimo do conceito de autoria – a existência de um nexo causal mínimo entre o autor e a prática da contraordenação em causa – indispensável à satisfação do princípio da culpa. 12. Resta, pois, verificar se tal conteúdo mínimo do princípio da culpa, atuante no contexto da respon- sabilidade contraordenacional, é lesado com a norma delimitada como constituindo o objeto do presente recurso. A norma do n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, foi interpretada pelas instâncias no sentido de que, sempre que não for possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contraordenação, é sempre responsável pelo pagamento das coimas a aplicar, das taxas de portagem e dos cus- tos administrativos em dívida, o proprietário do veículo, identificado no registo, tornando-se essa presunção inilidível em sede do próprio processo judicial de impugnação da decisão administrativa. Ora, ainda que se considere que o princípio da culpa não reveste o mesmo significado em matéria con- traordenacional, tal interpretação afronta, de facto, o conteúdo mínimo de tal princípio. A interpretação em causa impõe a responsabilidade do proprietário registado do veículo que faltou ao pagamento da coima e das custas, independentemente da sua real participação nos factos e mesmo na ausência de qualquer ligação com o autor da infração à data dos mesmos. Ou seja, a mencionada interpretação impõe a responsabiliza- ção de quem pode não ter tido qualquer participação, conexão ou ainda aproveitamento pessoal dos factos praticados. Perante tal resultado, e recuperando a específica configuração dos princípios da culpa e da proibição de transferência de responsabilidade sancionatória no domínio contraordenacional, bem como o maior poder de conformação do legislador nesta matéria, a análise da solução legal far-se-á, então, tendo em consideração os interesses públicos que a mesma visa acautelar, de forma a determinar se o legislador ultrapassou a sua margem de conformação com a norma em causa. 13. Ora, contrariamente ao que sucede com as normas de responsabilidade contraordenacional em infrações rodoviárias – que preveem uma responsabilidade meramente subsidiária do titular do documento de identificação do veículo (ou do locatário) pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contraordenação, e ainda a possibilidade do exercício do direito de regresso contra o autor da con- traordenação, caso tenha havido detenção abusiva do veículo (artigo 135.º, n.º 8, do Código da Estrada) – a norma objeto de generalização do juízo de inconstitucionalidade, relativa à falta de pagamento de taxa de portagem, não estabelece qualquer responsabilidade subsidiária do titular do documento de identificação do veículo pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contraordenação. Mais: na interpretação a que chegaram as instâncias judiciais, caso aquele titular não identifique outra pessoa num prazo de 30 dias, não lhe é mais permitido ilidir a presunção da sua responsabilidade, mesmo em sede de impugnação judicial.

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