TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
192 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem já entendido que, no contexto contraordenacional, a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, conceito este segundo o qual é considerado autor de uma contraordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou cocausalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma (cfr. Frederico Lacerda da Costa Pinto, em “O ilícito de mera ordenação social”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 1, pp. 25-26). Em adoção desse conceito, foram vários os acórdãos que não julgaram inconstitucionais normas que imputavam a responsabilidade contraordenacional a quem não era autor direto dos factos. Assim, no Acór- dão n.º 45/14, o Tribunal não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 13.º, n. os 1 e 2, da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, aí tendo referido que: “(...) o relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contraordena- cional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora, em regra, no domínio do direito penal, é especial- mente percetível nos casos em que os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma empresa. Esta construção é uma decorrência lógica da existência no direito de mera ordenação social de normas de dever, cujo incumprimento é sancionado com coimas. Se o sistema impõe deveres a um leque alargado de destinatários é porque lhes reconhece capacidade para os cumprir e também para os violar. Daí que, apurando-se a violação do dever legalmente estabelecido os destinatários do mesmo serão responsáveis por essa violação. É nesta lógica que, em casos como este, a regra de imputação colocada pelo conceito extensivo de autor condu- zirá à responsabilização da entidade dirigente titular do dever de garante sempre que se tenha verificado o resultado (a inobservância do dever) que ela se encontrava legalmente incumbida de evitar. Impendendo sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, ela é contraordenacio- nalmente responsabilizável, nos termos previstos no diploma em análise, não apenas nas hipóteses em que, por ação sua, tiver originado diretamente o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma contribuição omissiva, causal ou cocausalmente promotora do resultado típico presumida, quando a infração é cometida pelo condutor que se encontra ao seu serviço Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa atividade, designadamente as regras laborais, não se revela arbitrária, nem injustificada, a presunção de que a inobservância dessas regras por parte do condutor tem a sua causa na deficiente organização daquela atividade, estando nós perante o funcionamento de uma mera presunção relativa a factos. Se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contraordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o seu con- dutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção.” (Frederico Lacerda da Costa Pinto na ob. cit. , p.48)”. 10. No que toca ao uso de presunções, as presunções são normas criadas pelo legislador que estabelecem uma relação entre um facto conhecido (provado) e um facto desconhecido ou incerto, inferindo este último a partir daquele (isto, tendo presente a noção legal de presunção contida no artigo 349.º do Código Civil: presunções são as ilações que a lei (…) tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido). Ou seja, a presunção assenta numa relação lógica estabelecida pelo legislador entre o facto-base ou facto indiciá- rio e o facto presumido. A presunção legal opera uma inversão do ónus da prova, desonerando desta, aqueles que têm a presun- ção a seu favor (Acórdão n.º 211/17). Por regra, as presunções legais estabelecem uma verdade presumida
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