TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

190 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de que este dispõe na configuração do ilícito penal, designadamente no que se refere à definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da sanção”. Ou seja, apesar de todas as diferenças de conteúdo e significado que o princípio da culpa assume no domínio contraordenacional, sempre se dirá que, ainda assim, o mesmo atua como limite da responsa- bilidade contraordenacional, assumindo aí, contudo, um diferente sentido e conteúdo. Neste particular, o Acórdão n.º 180/14 afirmou que a culpa, nesse contexto, se traduz na ideia de “imputação do facto à responsabilidade social do seu autor, que serve como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas”. Postulado que não pode ter-se como inteiramente postergado em matéria contraordenacional é o da pessoalidade da responsabilidade, que se traduz em não poder imputar-se a uma pessoa um crime cometido por outrem ( ex injuria tertii ). Explicitado para a matéria penal no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, este princípio constitui uma concretização do princípio da culpa, princípio este que, nessa matéria, decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana ínsito no artigo 1.º da Constituição, mas que em matéria contraordenacional – onde a censura não encerra “um juízo de desvalor ético-jurídico dirigido à per- sonalidade do agente” nem a sanção “efeitos estigmatizantes” comparáveis aos da pena (Acórdão n.º 481/10) – encontrará antes o seu assento normativo no artigo 2.º do mesmo texto fundamental, aí onde se consagra o princípio do Estado de direito democrático (cfr., embora não explicitamente, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral. Tomo I, 3.ª edição, 2019, Gestlegal, pp. 190 e segs.; Nuno Brandão, Crimes e Contraordenações. Da Cisão à Convergência Material, Coimbra Editora, 2016, pp. 913 e segs.). De outro modo, dificilmente poderiam admitir-se situações de transmissibilidade da responsabilidade no âmbito con- traordenacional, ainda que a título excecional, como tem vindo a acontecer na jurisprudência deste tribunal, seguidamente recenseada. 8. Assumindo o princípio da culpa diferente alcance no domínio das contraordenações, o legislador dispõe, na configuração dos concretos ilícitos, de uma maior margem de conformação. Tal margem de con- formação projeta-se, nomeadamente, no contexto dos pressupostos da imputação. Neste contexto, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de analisar várias normas que imputa- vam a responsabilidade contraordenacional a quem não tinha sido autor direto do facto. Assim, foi já anali- sada a constitucionalidade de várias normas que procediam à transferência da responsabilidade pela prática de contraordenações. O Acórdão n.º 201/14 pronunciou-se sobre a constitucionalidade da norma ínsita no n.º 3 do artigo 551.º, nos termos da qual, no âmbito de contraordenações laborais, se o infrator for pessoa coletiva ou equi- parada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respetivos administradores, gerentes ou diretores. O referido aresto não rejeitou que o princípio da intransmissibilidade da responsabi- lidade penal possa assumir valência no domínio contraordenacional, embora “não ‘com o mesmo rigor’ ou ‘com o mesmo grau de exigência’ com que vale para o domínio criminal, mas apenas na sua ‘ideia essencial’”. Este aresto assentou, sobretudo, num juízo de ponderação, que levou à conclusão de que a responsabilização solidária dos gerentes, administradores ou diretores de pessoa coletiva, ou equiparada, pelo pagamento de coima laboral, encontra justificação como medida necessária para conferir adequada efetividade aos direitos dos trabalhadores consagrados na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. Referiu-se aí: «(...) prima facie , também no domínio contraordenacional valerá o princípio da proibição de transmissão da responsabilidade, devendo tal princípio ser tido em conta na ponderação efetuada, desde logo, pelo legislador na configuração do ilícito contraordenacional. Por sua vez, deve o Tribunal Constitucional, ao apreciar a conformidade constitucional de uma norma em matéria contraordenacional, verificar se, na ponderação efetuada em sede legislativa, o princípio da proibição de transmissão da responsabilidade foi devidamente integrado.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=