TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
189 acórdão n.º 172/21 Para efeitos de distinção entre ambos os ilícitos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem seguido fundamentalmente os critérios da ressonância ética e dos diferentes bens jurídicos em causa (Acór- dãos n. os 158/92, 344/93, 469/97, 461/11, 537/11, 45/14 e 180/14). E com fundamento na diferente natu- reza do ilícito, da censura e das sanções, tem considerado que os princípios constitucionais com relevo em matéria penal não valem com a mesma extensão e intensidade no domínio contraordenacional. Não obstante estar consolidado na jurisprudência constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, tem-se decidido reiteradamente que os princípios que orientam o direito penal não são automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social (Acórdãos n. os 344/93, 278/99, 160/04, 537/11 e 85/12). Atenta a diferente natureza dos ilícitos, o Tribunal Constitucional tem vindo a aceitar uma variação do grau de vinculação do regime das contraordenações aos princípios do direito criminal em matérias como as do âmbito da responsabilização das pessoas coletivas, da culpa, do erro, da autoria e do concurso. Assim, afirma-se de forma ilustrativa, no Acórdão n.º 336/08: “(...) existem, desde sempre, razões de ordem subs- tancial que impõem a distinção entre crimes e contraordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (…). A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.” Essa mesma orientação jurisprudencial foi reiterada no Acórdão n.º 110/12, em que se escreveu que “as diferenças existentes entre a ilicitude de natureza criminal e o ilícito de mera ordenação social obstam a que se proceda a uma simples transposição, sem mais, dos prin- cípios constitucionais aplicáveis em matéria de definição de penas criminais para o espaço sancionatório do ilícito de mera ordenação social”. E é precisamente em razão dessa diferença, que assume um alcance «jurídico-pragmático» (Acórdão n.º 344/93) e se projeta em diversos aspetos de regime adjetivo e substantivo, que o Tribunal Constitucional tem considerado, de forma algo pacífica, que o legislador dispõe, no âmbito do domínio contraordenacional, de uma margem de apreciação mais ampla. 7. Sobre o alcance do princípio da culpa no domínio contraordenacional, o Acórdão n.º 344/07 formu- lou a síntese que importa transcrever: «(...) não pondo em dúvida que os princípios da proporcionalidade e da igualdade e mesmo o princípio da culpa também vinculem o legislador na configuração dos ilícitos contravencionais (como nos de contraordenação) e respetivas sanções (cfr. Acórdão n.º 547/01, publicado no Diário da República , II Série, de 15 de julho) é dife- rente o limite que deles decorre para a discricionariedade legislativa na definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da sanção. Designadamente, não ocorre aqui colisão com nenhum dos preceitos constitucionais em que se funda a afirmação de violação do princípio da culpa, que é o nuclear na fundamentação da referida jurisprudência do Tribunal a propósito da ilegitimidade constitucional de penas criminais fixas. Na verdade, não está em causa minimamente o direito à liberdade (artigo 27.º, n.º 1) porque a multa contravencional, diversamente da multa criminal, não tem prisão sucedânea. E só de modo muito remoto – e nunca por causa da sua invariabilidade – uma sanção estritamente pecuniária, num ilícito sem qualquer efeito jurídico estigmatizante, pode contender com o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), que é de onde o Tribunal tem deduzido o princípio da culpa na “Constituição criminal”. Como diz Figueiredo Dias, O Movimento da Descriminalização …, p. 29, a propósito da culpa na imputação das contraordenações, também perante uma categoria de infrações, punidas “independentemente de toda a intenção maléfica”, não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal baseada numa censura ética dirigida à pessoa do agente, à sua abstrata intenção, mas apenas de uma imputação do ato à responsabilidade social do seu autor”. Por seu turno, o Acórdão n.º 201/14 não deixou de sublinhar que “retira-se da jurisprudência do Tribu- nal Constitucional que o princípio da culpa se impõe também como limite à liberdade de conformação do legislador do ilícito contraordenacional, ainda que a margem dessa liberdade seja maior relativamente àquela
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=